31/08/2011

A magia das palavras

Um dos aspectos mais importantes da comunicação humana é a existência da palavra. Imagino o quanto era difícil ao homem primitivo se fazer entender sem ela. Com certeza o processo era embaraçoso, difícil, intrincado. Talvez por isso se tenha a ideia de que os primeiros humanos eram bem mais nervosos. Também pudera o diálogo não se estabelecia por absoluta falta de meios.
A palavra surgiu como uma convenção suplantando gestos e grunhidos. É um código, um símbolo, estabelecido previamente visando expressar ideias. De certa forma trouxe um pouco de paz e de tranquilidade naqueles tempos tão duros, onde o homem tinha que enfrentar uma fera a cada instante na luta para alimentar o corpinho e, ainda, cuidando para não se tornar o prato principal de outrem.
A palavra não surge assim sem aviso em nossas vidas. Há todo um treinamento para que o indivíduo se constitua num ser falante. A mãe instintivamente vai largando a conta gotas sílabas, de forma espaçada. "Ma ma, pa pa". O pai mais impaciente, logo após adornar o pimpolho com a camisa do tricolor ou do colorado, já deseja vê-lo cantando o hino do time preferido. Porém, a palavra é uma conquista que vem chegando aos poucos. No início balbuciada docemente, entre risos e chorinhos de manha, quase de maneira ininteligível. Quando surgem as primeiras palavras ditas pelo bebê e uma verdadeira magia, ela reverbera nos ouvidos dos pais corujas. São comentadas e alardeadas pelas mães de primeira viagem.

23/08/2011

Gentileza gera gentileza

Passava alguma coisa do meio-dia. Encontrava-me na fila do caixa de um restaurante. O gosto de peixe frito não havia sido eliminado pelo providencial cafezinho. Havia um número considerável de pessoas que, da mesma forma, aguardavam pacientemente a única atendente a somar as comandas, passar o cartão na maquininha e sorrir agradecendo em nome do estabelecimento. Quando chegou a minha vez, uma jovem dotada de uma fúria digna de um centroavante rompedor, lembrando os bons tempos do Fenômeno Ronaldo, arrastando uma menina pequena pela mão, com bom senso de antecipação, saltou de maneira decisiva e de comanda em punho tomou a minha frente, sacou seu cartão e marcou um golaço.

18/08/2011

A sogra

Dona Fausta, 80 anos de vida
A anedota é uma história curta, surpreendente, descompromissada, engraçada, cujo objetivo é levar o ouvinte ao riso. Para chegar ao intento não se medem esforços. Escolhe-se um personagem qualquer e, valendo-se de características pessoais, morais ou físicas, compõem-se breve roteiro que finaliza com algo engraçado. Saindo um pouco do sério, hoje vou contar aqui uma ou duas piadas colhidas sem muito esforço na internet. São por demais conhecidas e reveladoras, influenciando decididamente na formação de um estereótipo. 
O genro chega perto da sogra e a surpreende dizendo: “sogrinha, eu gostaria muito que a senhora fosse uma estrela!”.  Não cabendo em si de felicidade e encantamento, com um sorriso nos lábios, responde a sogra: “Quanta gentileza, genrinho. Por que você fala isso?”.  O genro então completa: “porque a estrela mais próxima está a milhões e milhões de quilômetros da Terra”. 
Para muitos a preocupação com a sogra vai além da sua morte: “A sogra do cara morreu e lhe perguntaram: - O que fazemos? Enterramos ou cremamos? - Os dois! Não podemos facilitar!”.

11/08/2011

O apaixonado grito do Homem Macaco

Ron Ely (Tarzan) e Chita

Ron Ely queria ser Tarzan. Tinha tanta vontade que leu toda a obra de Edgar Rice Burrougs. Porém, não cabia na descrição do personagem. Era alto demais, magro demais, loiro demais. Tal qual Tarzan, nunca desistiu. E, no fim, depois dos testes, ganhou o papel na série televisiva que sucesso estupendo fez nos anos 70. Era tanto empenho que dispensava os dublês. Dentes e costelas quebradas, arranhões, distensões, acidentes leves, médios e graves eram rotina no set.
Nos sábados à tarde, minutos após o episódio semanal, minha turminha – cinco ou seis meninos de nove ou dez anos, corríamos para a nossa selva no campinho da Dona Guria, na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Pinheiro Machado. Ali, entre pés de maricás e mamoneiros, enfrentávamos animais selvagens, vencíamos rios caudalosos. Um perigo atrás do outro, oculto detrás de cada árvore, de cada moita.

03/08/2011

A cevada e o café

Não sei precisar se a crise atingia todo o país ou se era localizada sobre a nossa casa. Certo é que o armário de mantimentos, naqueles tempos de esquálidas vacas, constantemente encontrava-se em crise.  Para desespero de minha mãe que tinha que encontrar alternativas para alimentar aquelas bocas pouco exigentes. Com a criatividade que só uma mãe amorosa em desespero tem, juntava um restinho daqui e outro dali, e alguma coisa comestível, como num passe de mágica, saia da panela. Pratos pouco convencionais, como polenta e sardinha, vez por outra davam o ar da graça. E era uma delícia, sim!
A vizinhança, na mesma condição de lamúria, era comparsa em experiências, em virações, em inventividades. As ideias corriam como o fogo em um rastro de pólvora. Algumas delas, no entanto, mostravam-se absolutamente desastradas. Foi o que ocorreu certo dia em que se decidiu na vila que o cardápio do meio-dia seria um cozido de pulmão de vaca. A molecada, armada de algumas moedinhas, correu até o fétido matadouro. A iguaria trazia em saco de pano deixava um carreiro de sangue no chão. O pulmão vinha com um pedaço da traqueia. Era feito de se ver. Com tanto amor e carinho as mães jogaram-se a limpar o produto e levá-lo ao fogo. Levantava uma espuma densa, quase que derrubando a tampa da panela. Depois de pronto, bem o panorama não se mostrava dos mais animadores. A tal iguaria não passava da boca. Mastigar aquela massa era o mesmo que morder um isopor. Os cães ao menos tiveram ração de sobra entre aquelas casinhas mal caiadas.