24/12/2013

Boas vibrações

Imagine aquele indivíduo que fala a verdade o tempo todo. Que mantém seu censo crítico aceso durante as 24 horas do dia. Incapaz de falsear um segundo sequer. É o estraga-prazeres da turma. Mantém o pé na realidade sem ao menos dar uma passinho na fantasia. Azedume puro. Chato para dizer pouco. Pior ainda se não mantiver certa discrição na suas manifestações agourentas.
Porém, fantasiar é conceder. É amenizar. É acreditar no impossível. É fazer vistas grossas ao corriqueiro, ao normal, ao esperado.
Não há tempos mais mágicos do que estes do final de dezembro. Pelo menos para a grande maioria das pessoas. A esperança, tão comum nas propagandas da tevê que alardeiam novos tempos e forças renovadas para construção de um futuro cheio de realizações, parece ser recepcionada por parcela significativa dos humanos.  Em alguns momentos parece mesmo que a realidade vai dando espaço à magia, implementada pelas vibrações leves emanadas pelas mentes e corações de seres bem intencionados.
Lamento informar, diria o cético, conectado com a visão racional das coisas, “boa parte dos propósitos traçados neste período terão vida curta”. Ou seja, muito do que se planeja morrerá na casca. O clima de fantasia será superado pela realidade nua e crua já nos primeiros dias de janeiro. Francamente, há algo mais desanimador do que isso?
De algum modo todos nós somos capazes de manter estes dois indivíduos pulsando dentro de nós. Um deles, cético e antenado com a realidade, vai alertando dia após dia que os passos fantasiosos que vamos dando estão nos levando para um mundo ficcional. É o que nos trás  de volta à realidade quando sonhamos. É o crítico quer não aceita devaneios.
É o certinho que precisamos ser às vezes. O outro, romântico, esperançoso, vai dando vazão ao mágico, seguindo o caminho da fantasia, fazendo concessões, permitindo a convivência com as pequenas falsidades, com as hipocrisias do dia a dia, sem maiores altercações e ressentimentos.
O comum, o desejável, é que conquistemos a sabedoria de dar corda hora a um, hora a outro. Sem traumas. Evitando o investimento demasiado no ceticismo, sob pena de se construir uma existência sombria, nem abandonando a realidade pela vontade de que a magia e a fantasia resolvam tudo, como bem faz nosso lado infantil.
E assim seguimos nossa caminhada. Com açúcar e afeto, mas com uma pitada de sal e pimenta para aqueles que assim desejam.
Por derradeiro, indispensável agradecer os nossos leitores, especialmente aqueles que acompanharam nossa história neste ano.
Um bom ano a todos. Que sejamos cúmplices neste 2014 que se inicia.

21/12/2013

A Bola Pelé

Ilustração: Ana Caldatto 
A bola de futebol era o objeto de desejo dos meninos dos anos 70. Pobres, remediados e ricos. Todos almejavam uma bola. De couro, oficial nº 5, branquinha, costurada a mão. Ou de plástico. Todas elas serviam ao propósito da gurizada.  Se fosse Pelé, com a assinatura do Rei ao lado de uma imagem sua dando um soco no ar, melhor. Mas, caso não fosse do Pelé, a do Rivelino servia. 
Minha recordação mais antiga em relação à pelota está relacionada a uma tragédia. Era muito pequeno. No quintal meu pai  e tios faziam um churrasco. Os espetos eram feitos de taquara. Vez por outra o fogo rebelde subia sem controle, sapecando a carne e queimando o espeto. A taquara então era trocada por outra e seguia a festa.
Nisso surge uma bola no meio do caminho. Verdadeira festa começou para os meninos. Os pequenos chutavam a redonda entre as pernas dos adultos. Corriam desordenadamente, se jogavam no chão disputando uma partida sem regras. Chute daqui, chute dali. Eis que alguém, sem muita habilidade, desavisadamente acerta um chutão na bolinha de borracha. Ela sobe e cai dentro da churrasqueira. Bem no meio do braseiro. Meu primo Pedro ou algum outro qualquer ainda tentou de forma desesperada salvar a bolinha. A ação da brasa, porém, foi impiedosa. Vi a bola murchando. Ficou enrugada, torta, molenga, imprestável.
A festa não foi mais a mesma.

......


Quem gosta de bolas e brinquedos antigos tem que conhecer o blog da Ana Caldatto. Acesse no link abaixo:
 

17/12/2013

O presente de Natal

O que você gostaria de ganhar de presente neste período natalino? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Não vale resposta de miss, do tipo “a paz mundial” ou “que todas as pessoas sejam felizes”. Difícil, assim, à queima roupa achar uma resposta para uma perguntinha tão fácil e tão corriqueira, não é?
Muitos, porém, hão de lembrar a tal mega da virada, que deve distribuir uma boladinha em torno de R$ 200 milhões. Um Natal atrasado, eis que quando os números forem cantados no sorteio o velho Noel já estará em seu período de descanso, tratando de suas renas, engraxando suas botas e limpando seu treinó. De qualquer modo, não se pode negar que uma graninha extra assim faria uma verdadeira revolução no modus vivendi de todos nós cidadãos trabalhadores. Mas, a quantia que parece ser exagerada para todos os simples mortais não representaria quase nada para aquele milionário, o Batista, que viu sua fortuna minguar como bolo abatumado nos últimos meses deste ano. Não há números definitivos, talvez nem aproximados, mas uma revista arrisca ao estimar suas perdas em R$ 60 bilhões em dois anos. Montanhas e montanhas de papéis sem lastro que sucumbiram a negócios fantasiosos gerando choro e ranger de dentes.
Bem mais modestas, as moças no elevador calculam seus gastos semanais. Uma blusa de R$ 200,00, uma calça de R$ 300,00, mais isso, aquilo e aquele outro e já se foram mil. E ainda é terça-feira. A outra concorda em gênero e número. Lembra que nem comprou presentes para a família. “Só ganhando na mega sena para pagar tanto carnê”, concluem a conversa.

05/12/2013

As feras de ontem e de hoje

A média de vida dos nossos antepassados mais primitivos era de 20 anos. Informa-me surpreso meu filho mais novo, o Bruno, no auge dos seus 12 anos de idade, ao sair de uma de suas aulas. Isto significa que, caso estivesse lá, convivendo com intempéries de toda ordem e com as famintas feras que espreitavam silenciosamente e atacavam homens, mulheres e crianças, com suas garras e dentes afiados, ele e seus amigos teriam tão somente mais oito anos de vida.
 Imagine a loucura que era viver num tempo desses. Uma verdadeira tortura. A incerteza permanente. Vigilância 24 horas por dia. Instintos em apuros.  Sinal de alerta ligado. Tormentosa vivência. Uma vida sem segurança. Sem prazer. Tudo era medo. A caverna era o local mais aprazível. Sem graça, é verdade; mas seguro.

29/11/2013

Outros tempos

Vez por outra algum amigo manda um e-mail onde se destacam as principais diferenças entre os tempos de hoje e os da nossa infância. Obviamente que, descontado o sentimento de nostalgia, que mais dia menos dia há de atingir a todos, indistintamente, muito do que se viveu não encontra nem encontrará correspondência nestes novos tempos. Não se trata de serem melhores ou piores, os dias de ontem não se repetirão jamais.
A começar pelas brincadeiras. Carrinhos de rolimã, arapucas mal ajeitadas, que empurrados morro abaixo deixavam como saldo muita emoção, unhas quebradas, calcanhares e mãos sangrando pelo atrito com a pista. Fundas ou bodoques feitos a partir da forquilha de goiabeira. Mal amarrados se transformavam em arma contra o próprio lançador.

21/11/2013

O arcaico e o novo

Neanderthal
No futebol ou numa luta, quando o indivíduo não está emocionalmente envolvido, é comum que torça pelo mais fraco. Faz parte do homem este sentimento de solidariedade, de engajamento, de compaixão para com o menos provido. Mesmo que, lá no final, o mais forte arrebate o troféu, desfilando no ringue sua superioridade, é sempre relevante o apoio dado a quem pouco dispõe. Não importa que dê a lógica, que tenha vencido o melhor, o mais preparado. Isto é de menos. Como diz o gaúcho, importa a chuleada. Se os fluidos enviados ao fracote não tenham gerado o efeito desejado, paciência.  
Faz bem à alma esta cumplicidade com aquele que está numa condição de inferioridade. Isso explica a sobrevivência num cenário improvável (onde tamanho é documento) equipes como a Portuguesa de Desportos e o São José, o Zequinha. São só dois exemplos entre tantos que os times que jogam insistentemente por anos a fio sem troféus e com parcas esperanças entre seus adeptos. Em suas paridas, em regra, estão presentes testemunhas e não torcedores.

14/11/2013

Os desbravadores

Nossos antepassados  guiavam-se pela posição do sol, da lua e das estrelas. Os antigos usavam a primitiva bússola. O mundo todo foi explorado na base da observação e do conhecimento empírico. Em alguns casos, um vendaval que mudava a embarcação de rumo, um erro de cálculo ou a intuição de alguém, foram determinantes para uma descoberta de valor. Claro que, da mesma forma, muitos se aventuraram e não tiveram sucesso. Se embrenharam em florestas e por elas foram engolidos. Não retornaram para contar histórias de povos perdidos, de rios que mal cobriam pepitas de ouro, de monumentos dourados ou de civilizações desconhecidas.
Nossotros, como diriam os espanhóis, ao chegarmos aqui, nestes tempos que transcorrem, encontramos a Terra mapeada. Os rios, os mares, as cadeias de montanhas, os vales e todos os outros acidentes geográficos plenamente conhecidos, nominados e retratados em mapas detalhados. Com legendas coloridas e uma rosa dos ventos a indicar os pontos cardeais. Tudo construído a partir da impetuosidade, da curiosidade e da perspicácia dos pioneiros que, enfrentando a falta de conhecimento, se lançaram na missão de descobrir o que havia além do seu campo de visão.

05/11/2013

Dia Santo

Nosso campo era diminuto. Para nós, no entanto, era um local mágico. A grama era verde como estas dos melhores estádios do país. Exagero meu. Hoje, pensando bem, acho que não era tanto assim. Mas, para os olhos de meninos que fomos um dia, aquele verde era verdadeiramente um espetáculo. Tudo era um espetáculo grandioso. Cada joguinho, cada jogada. Tardes e tardes a fio, sem muitos intervalos. No máximo alguns minutos para o consumo de um copo de água quente, retirada de um suspeito poço. Geladeiras aquela turma não dispunha. Água tratada também não havia chegado à periferia.
Mas, tínhamos um campo. Cedido provisoriamente por alguém que não tinha ainda o apetite de construir. E isso, pelo menos naqueles tempos, era o que bastava.

30/10/2013

Café filosófico

Deu no jornal: o hábito de tomar um cafezinho influencia decisivamente na tomada de decisão. Um bom número de pessoas muda de posicionamento após a ingestão de um simplório café. Explicam os estudiosos que o apreciado líquido tem o poder de tornar as pessoas mais maleáveis, podendo, assim, analisar com mais vagar as hipóteses e, por consequência, mudar um posicionamento anterior. Talvez seja por isso que o café seja tão respeitado e consumido entre os nossos políticos.
Intuitivamente, é claro, todos bem sabem disso. È dispensável até a  realização de  uma pesquisa científica. No mundo corporativo é muito comum o investimento no café. Nas empresas, independentemente do seu porte, é o momento em que o trabalhador deixa seu posto, se afasta um pouco de suas tarefas e dá uma relaxada. Sem, com isso, causar prejuízo aos cofres do patrão. O indivíduo, depois deste pequeno entretenimento, volta com as pilhas carregadas, trabalhando com mais disposição e gerando maiores lucros para a chefia. Em ambientes mais descolados é bem normal que a ala de cima também saia de seu casulo, compartilhando deste momento com a peonada. É hora de se entregar ao prazer da conversa jogada fora, da piadinha rápida ou daquele assunto corriqueiro que não cabe no horário do expediente. Tudo isso sem culpa.

22/10/2013

Nada mais do que palavras

Há certas obviedades que escapam à percepção. De tão claras, tornam-se invisíveis aos olhos mais desatentos. De tão frequentes, corriqueiras, usuais, parecem sofrer uma estranha mutação. Fingem-se de invisíveis. Quietinhas permanecem escondidas por um fino tecido, quase transparente. Estão ali, mas não são vistas.
A importância da palavra talvez seja uma destas obviedades. Logo ela, a palavra, que nos cerca diariamente. Exagerando, poderíamos dizer que as palavras movem o mundo. São ditas, escritas, cantadas, recitadas e lidas. As palavras estão em todos os lugares. Para elas não há vácuo. As palavras estão ali, espreitando. Ficam em repouso, aguardando o momento para atuar.

16/10/2013

Uma página em branco

Uma página em branco é um desafio. É um desafio para o desenhista que olha aquela imensidão e lança traços imaginários, construindo figuras aos poucos. Sombreando aqui e iluminando ali, o branco vai sumindo. Paisagens, rostos, objetos vão povoando aquele espaço antes tão límpido, tão estéril. Porém, neste processo de criação, nem sempre as porções de tinta lançadas no papel satisfazem os olhos exigentes do autor. Algumas folhas, reprovadas pelo controle de qualidade do ilustrador, morrem amassadas ao lado da mesa.
Uma folha em branco é um desafio para o acadêmico que encara, enfim, o seu trabalho de conclusão. Às vezes, aquela estrutura pálida e frágil agride o olhar cansado do estudante. O período é de nervosismo. Alguns colegas, no entanto, mais falam é da formatura, da festa, do formato do convite e do buffet. Outros brigam obstinadamente para definir quem será o orador, o juramentista, o paraninfo e o professor homenageado. Uns brigam por tudo. Encrencam com o formato das fotos, com a contratação da empresa que fará a filmagem e a decoração. Porém, é certo que nas madrugadas uns que outros despertam depois de um torturante pesadelo. Acordam apavorados depois de perderem a voz diante da cruel banca examinadora.

09/10/2013

Os ditados populares

Água mole em pedra dura...
Não se sabe ao certo quando nem onde surgem os ditados populares. O que se sabe é que mais dia menos dia alguém vai lançar mão de algum conhecimento que vem sendo repetido desde “os tempos do epa”. É comum pensar nesses chavões como  fórmulas repetidas à exaustão, muitas vezes de gosto duvidoso, que se destinam tão somente para ilustrar os bate-papos das pessoas humildes, desprovidas de vocabulário, de traquejo no trato da língua. No entanto, cá entre nós, apesar de singelas, há algumas destas expressões que são impagáveis. Mesmo que o indivíduo cultive todos os cuidados para evitar que seu discurso não pareça assim tão simples, tão desprovido de requinte, vez por outra os ditados populares escapam da memória coletiva e se intrometem como algo definitivo, insuperável e inevitável.
Agora mesmo, diante das repetidas manchetes do empobrecimento do maior empresário brasileiro dos últimos tempos, não há como não lembrar dos nossos irmãos portugueses que, diante de uma situação semelhante repetem que  “quanto mais alta a berlinda, maior é o trambolhão”, ou, traduzindo para o Português do Brasil, “quanto mais alto fores, maior o tombo”.

01/10/2013

A mania das frases

 Uma mania das mais comuns nos dias de hoje está na difusão de frases e pensamentos nas redes sociais. A garotada e os marmanjos de toda ordem adoram abrir o dia com uma daquelas sentenças que diz tudo ou quase tudo. A escolha, por certo, é motivada pelo estado de espírito do pessoal. Se o momento é de felicidade, dê-lhe frases de exaltação à vida. Se, por outro lado, os dias são mais sombrios, as sentenças caminham neste sentido. Já se a rodada da semana não foi muito feliz para o time, recuo estratégico. Leve sumiço. Culpa da conexão que é lenta. Se o time voltar a vencer... Bem aí o sinal recupera sua força e os sumidos voltam a viver e a gozar da alegria momentânea e das ilusões que o esporte bretão reserva a cada um dos apreciadores.

25/09/2013

Olhares diversos

Num desses papos despretensiosos, onde o que mais se quer é filosofar, disse em alto e bom som que não há órgão de imprensa imparcial. Todos estão comprometidos. Antes que pudesse seguir na linha de raciocínio que vinha sendo traçada, outro se deu por ofendido e, tal qual um suicida que se lança na frente da locomotiva, avocou a si e à empresa que representa a total democracia e transparência. O sujeito cresceu na minha frente. Suas veias do pescoço subitamente inflaram. Suas narinas se alargaram como que buscando mais oxigênio no amplo ambiente em que nos encontrávamos. Parecia um herói de historia em quadrinhos em plena transformação.
Cheguei a pensar que ele sofreria algum distúrbio sério tal a transformação que experimentara em questão de segundos.

18/09/2013

A pequena história


A história da humanidade é contada a partir dos grandes acontecimentos. Invenções, descobertas, celebrações, pactos e acordos. Sempre haverá a atuação de um grande homem ou, para ser politicamente correto – de uma grande mulher-, por trás de algum acontecimento significativo. 
Na verdade, é uma imposição da história oficial a presença de personalidade que vai representar o papel de protagonista. Alguém precisa levar o crédito. Alguém tem que ser o responsável pelos fatos. Com o tempo, os historiadores vão personalizando os acontecimentos de tal forma que restam tão somente alguns nomes. São ícones, verbetes. São sínteses de fatos complexos que foram resumidos à exaustão.

11/09/2013

O mal que entra na boca do homem

Doce é bom. Bom é pouco, é muito bom. Ambrosia é o preferido pelos deuses. Seu sabor inigualável, associado ao néctar, confere às divindades nada mais do que a imortalidade.  E isso não é pouca coisa.
Rapadura e pé-de-moleque são imbatíveis entre a gurizada. Nos aniversários de crianças nada bate o brigadeiro, por aqui chamado singelamente de negrinho. Tantos outros sabores poderiam ser lembrados como os simplórios sagu e a torta de bolacha, que aparecem tanto na mesa trivial ou naquela que guarda certo requinte; a abóbora, desde que apresente uma casca durinha porque molenga ninguém atura; as musses de toda a ordem (de chocolate, de limão ou de maracujá). Tudo muito bom.

03/09/2013

As provas

Não sei ao certo quem foi. No entanto, a inovação apresentada pelo professor naquela prova mudou drasticamente a forma como deveríamos estudar. Até então, a cobrança se baseava somente na decoreba. Ou seja, tínhamos que decorar frases inteiras para responder corretamente às questões que se apresentavam naqueles momentos fatídicos que se transformavam o dia da sabatina. 
O sistema da  múltipla escolha, onde o professor, após o enunciado, enumerava cinco possibilidades de resposta, era um achado e tanto. Era uma ajuda para aqueles moleques extremamente atarefados com suas atividades futebolísticas e que não dispunham de muito tempo para os estudos.

29/08/2013

Mensagem oculta

Você senta confortavelmente diante do computador. Busca uma ideia para desenvolver um texto. Em busca de inspiração, abre os sites de notícias. As manchetes, no entanto, parecem ser as mesmas de ontem e de anteontem: frio e neve na Serra, tempo que melhora, sol que volta, dias sem chuvas, dólar que dispara, time desfalcado etc e tal. Sem aviso prévio, o copinho de café, fumegante, cai no seu colo. Suas calças ficam quentes. O chão em sua frente fica melequento. “É um sinal”, talvez seja a reação mais natural. Sinal do quê?

20/08/2013

A teoria e a prática

A teoria na prática é diferente, dizem alguns. Porém, sabemos que teoria e prática são coisas distintas, bem delineadas. O conhecimento prévio, acadêmico, é a teoria. A prática é a ação livre, embasada em uma teoria ou não. Sem medo de ser redundante (e sendo) poderíamos dizer que teoria é teoria e prática é prática. O ideal é que a teoria sirva de inspiração para a vida prática. 
Na vida cotidiana, no entanto, isto é o que menos acontece. 
É verdade que devemos falar com a mais completa honestidade sobre as coisas. Li em uma boa obra que ao falar devemos transmitir mensagens efetivas. Ou seja, ao dizer bom-dia a alguém devemos flexionar nossa voz impulsionada pelo sentimento que vem de nosso íntimo ser. Assim, a nossa saudação impulsionará energias de tal forma que a pessoa sinta que realmente queremos que ela e nós tenhamos um dia venturoso. 
Intuitivamente, no entanto, antes mesmo de contar com este conhecimento teórico, já exercitava por estas instâncias a busca pela efetividade da mensagem. Houve um dia em que entrava num prédio e, talvez impulsionado pelo sol brilhante que me acompanhava desde a minha casa, me dirigi a uma pessoa conhecida de longa data. “Olá, bom dia! Como tem passado? Tudo bem?”.

14/08/2013

A alma do cronista

O que o cronista faz senão falar de si mesmo? Às vezes até fala dos problemas da sua cidade, do seu time (que perde quando não devia e que vence quando não se espera), do trânsito, dos costumes, da política, da filosofia e do tempo, que passa e não volta mais. Porém, mesmo que busque certo distanciamento do seu umbigo, logo ali na frente ele se trai. São seus olhos, seus sentimentos, sua inspiração, sua experiência sobre as questões que vão delimitando os temas. O cronista, por mais voltas que dê, sem perceber, está sempre mostrando a sua cara. Não há como negar: escondida entre tantas palavras, a alma do cronista vai se revelando em seus textos. O que para muitos é uma coisa natural, para outros tantos é um pesadelo, quase um parto normal sem anestesia.
A exposição é um empecilho.  Quem escreve fala de si, de seu mundo. Mostra o que sua vista enxerga. E, como todos no universo são partículas individuais, corre-se o risco de que não haja reciprocidade do lado de lá. O leitor pode desconhecer o que leu. Pode ignorar o esforço do escritor. E isso, de certa forma, pode espantar um pouco.

07/08/2013

A fala

A retórica era de suma importância
para gregos e romanos 
A manifestação mais singular do gênero humano é a fala. Não se conhece outro ser que articule as palavras livremente como o homem. Alguns animais, como os papagaios, por exemplo, podem até articular sons. Porém, há um longo adestramento para que a ave possa repetir uma ou duas palavras. Não importa a situação, o louro vai dizer sempre a mesma coisa. Se for treinado pelo seu dono para dizer “viva o Grêmio”, ele seguirá dizendo a mesma coisa eternamente, na vitória ou na derrota. Mesmo que o torcedor tricolor morra e a família inteira torça pelo colorado.
Já entre os humanos a coisa muda de figura. Começamos com a simples e prosaica mama, depois, sem muita pressa, vamos acrescentando papa, mana e assim por diante. Quando nos damos por conta já estamos falando otorrinolaringologista, sem pestanejar.  Isto ocorre porque as experiências do dia a dia, as leituras da madrugada, o amplo acesso às informações, as dores, os sofrimentos, as alegrias, as vitórias e os fracassos vão engrossando o caldo e ampliando cada vez mais o repertório de cada um. Com o tempo o humano passa do simples ao complexo.

30/07/2013

Um mistério chamado saudade

A palavra saudade é um mistério. Ela existe somente na Língua Portuguesa. Esconde, em seu bojo, uma carga de sentimentos enorme. É muito mais que uma simples lembrança, que um simples desejo de estar com alguém ou naquele lugar ou naquele tempo. É muito mais do que isso. É tudo isso junto, acrescido de certa melancolia, de certa tristeza. 
A própria origem do termo é carregada de controvérsias. Não se tem certeza de quais caminhos o vocábulo foi tomando ao longo dos tempos até chegar aos nossos dias. Alguns dizem que foi o sofrimento dos navegadores lusitanos que, nas suas incursões pelos mares por meses a fio, levavam em seus corações o peso da ausência de suas amadas, de seus filhos, de seu pedacinho de chão. 
A solidão do mar, a vontade e a impossibilidade de retornar com a rapidez desejada teria desenvolvido nos navegantes e nos seus próximos a tristeza do afastamento. O termo latino solitate (solidão, isolamento) teria se corrompido na boca e nos corações destes sofridos marinheiros, que lutavam bravamente para vencer mares rebeldes, sem a garantia de que voltariam para o calor do seu lar. 
Aboletados em suas embarcações, com seus corpos cansados, sujos, mal alimentados, enfrentando rajadas violentas de ventos, tempestades inesperadas, doenças desconhecidas e mortes anunciadas, estes homens rudes encontravam em algum momento do dia ou da noite um tempinho para o recolhimento. Com o coração palpitando, mergulhavam para dentro de si na busca das suas melhores lembranças. Vibravam quando seus olhos enxergavam a embarcação atracando no porto e seus corpos sendo, enfim, acolhidos pelo calor do abraço dos seus. 
Que sentimento extraordinário devia acompanhar estes homens de fibra. A certeza da partida, a crueza das intempéries, a incerteza do retorno. O longo tempo da separação, a falta de notícia, a ausência dos rostos dos amados. A água insistente salgada, o sol queimando a pele, o barulho extenuante das ondas, a teimosia da maré a jogá-los de lá para cá e de cá para lá. 
Quem ficava em terra firme sofria de igual forma.  A saudade era um ponto comum entre os que partiram e os que os viram partir. Era o que restava. Era a dor contida, rompida somente com a alegria do retorno.

Outras coisas sobre a saudade:

21/07/2013

O reencontro, 25 anos depois

Reencontro de formandos de 1987
Foi começando vagarosamente. A Luciane postou uma foto da formatura. A Estela e a Cláudia curtiram. Alguém mais compartilhou.A professora Dione também deu um pitaco. A Cláudia achou que uma festa seria legal. Nasceu a ideia de juntar os formandos num encontro comemorativo. Seria uma chance ímpar. Um churrasco comunitário, onde cada um levaria alguma coisa, chegou a ser pensado. Cada participante levaria sua bebida. A ideia não prosperou por este lado.Teria que ser algo mais simples, ainda. A Estela criou um grupo no Facebook. Juntando ideias daqui e ideias dali, nasceu o encontro comemorativo aos 25 anos de formatura da turma de Letras da FACOS/1987.
Chegamos cedo. Eu e a Marta, minha esposa e colega de formatura. Depois a Jacqueline e sua mãe, a Anita. Aos poucos a turma foi chegando. A Luciane veio de São Paulo. Outros vieram de Porto Alegre, de Capão da Canoa, de Tramandaí, de Santo Antônio. Todos foram recebidos com entusiasmo. Alguns levaram álbuns de fotos que passavam de mão em mão, atestando a história dos filhos crescidos e dos netos queridos. Beijos, abraços, sorrisos. A Madalena não resistiu. Entrou no salão chorando. Chorava pelas duas décadas e tanto de distanciamento. "Vocês continuam iguaizinhos", exagerou alguém lá no canto. "Estas meninas mentem", brinquei com o Paulinho e o Tuta, casados com a Liliane e com a Madalena, desde aquele tempo.
Quando vimos, o salão reservado pelo Claudinho do Restaurante do Dodô, estava repleto. Quem não cola não sai da escola, lembrou alguém,inconfidentemente listando os maiores coladores da turma. Do meu lado, Liliane, Madalena e a Marta tagaleravam sobre as atividades de aula. Destacavam as incursões pelo mundo da pesquisa linguística, pelas escapadelas para um interminável lanche no Papi que rendeu uma represália de uma professora irada. "Tenho uma resposta pra estes engraçadinhos que ficam no bar até tarde e atrapalham a estrutura de minha aula. Exame pra eles!", deve ter pensado. E assim fez.  
O frio lá fora era grande. Entre os antigos colegas, o clima era quente. "Onde anda o Cléber?", "e a Magda?". "Lembra aquela vez que escurecemos a aula, acendemos velas e recitamos poemas num trabalho de Literatura?", perguntava com certa ansiedade a Liliane. "Credo fizemos isso?", disse espantado com tanta criatividade. A Madalena confirmava. Mais uma vez minha memória havia me deixou na mão. Porém, minha imaginação não. "Deve ter sido lindo, isso, hein?", suspirei tentando resgatar do fundo da minha mente uma lembrança desta performance poética que protagonizamos. "E aquela vez que tínhamos que discorrer sobre O Gaúcho, do José de Alencar, e a impressão que passava era de que somente a Madá tinha lido a obra na íntegra?". Outra vez fiz esforço danado e nada. Lembravam, agora, que a aflição tomou conta da Madalena e ela mal conseguia falar. Eis que um outro tagarela assumia a palavra vez por outra e, folheando o livro, ia destacando uma ou outra passagem. Gol de placa, parabéns e coisa e tal. 
Alguém lembrou que aquele era o Dia do Amigo. Outro destacou que era o primeiro de uma série de encontros. E o tempo foi passando. Depois do almoço, a sobremesa. O cafezinho passado na hora, ali mesmo sobre o fogão que recebia lenha seca a toda a hora. O brinde à vida, os discursos leves como devem ser. Promessas de que algo tão bom tem que se repetir. Fotos na frente do estabelecimento para guardar na memória virtual. Beijos e abraços e um até breve.
Qualquer dia a gente vai se encontrar novamente. E nosso pensamento voará para tempos antigos. Aí lembraremos de histórias que se passaram diante de nossos olhos. Recordaremos tempos outros, distintos dos de hoje.  
Obs: Madalena, eu li sim O Gaúcho! 

Outras fotos da turma

Foto dos formando 1987
Liliane, Madalena, Marta e Solano Reis



16/07/2013

A cor da pele

Imaginava-se que, na entrada do terceiro milênio, algumas das maiores chagas da humanidade estivessem eliminadas. Este era pelo menos parte do sonho de uma geração que sofreu vendo seus jovens morrendo nas guerras. Paz e amor; Faça Amor não Faça Guerra foram as expressões usadas para pressionar os governantes belicistas na tentativa de calar as metralhadoras e as bombas que choviam sobre a cabeça de milhares de inocentes. 
O movimento pacifista, que começou nos EUA, gerou filhos. A rebeldia dos jovens cabeludos, vestidos sem rigor, espalhou pela América do Norte e pelo mundo mensagens de paz, amor, de respeito à diversidade sexual e racial, de liberdade, de preservação ambiental, de repúdio à guerra e à ganância econômica das potências. Hair, o musical da Broadway, dos anos 60, que depois virou filme em 1979, apresentou em grande estilo  as esperanças e os sonhos de um mundo melhor na Era de Aquarius. 
Os costumes mudaram. O mundo avançou em muitos aspectos. De algum modo as bandeiras levantadas pelos jovens do passado foram sendo recepcionadas pelas gerações seguintes. Porém, uma das mais repugnantes marcas da humanidade ainda continua forte, resistindo à ação do tempo: o racismo.  
A separação do homem pela cor da sua pele é uma realidade lamentável, inclusive nos dias de hoje. Isto que, longo tempo foi percorrido desde que os europeus sentiam-se autorizados a escravizar os outros povos com o argumento de que os não-brancos não tinham alma. Eram animais, não humanos, logo poderiam servir aos caprichos dos seus donos. 
O avanço tecnológico e científico, o aprimoramento dos costumes, a ampla socialização da informação, nada disso conseguiu até agora demover parte dos humanos do vício primitivo de atentar contra o outro. As manifestações mais grosseiras não vêm necessariamente dos recantos mais atrasados economicamente. São gargantas de primeiro mundo que urram, sem vergonha, sem nenhum constrangimento odiosas palavras contra seus semelhantes, destacando a cor da pele como algo negativo, degradante.
Notícia publicada dia desses, dava conta que o senador italiano Roberto Calderoli, em reunião de seu partido, disse que a ministra de origem congolesa Cecile Kyenge deveria ministra em seu país, concluindo que “quando vejo imagens de Kyenge, não posso deixar de pensar em suas semelhanças com um orangotango, mesmo que eu não diga que ela seja um deles". 
A manifestação, claro, foi bombardeada nas redes sociais e o próprio governo italiano lamentou o deslize do político.  Lamentavelmente, as palavras injuriosas ditas por Calderoli fazem eco entre os italianos. A situação é tão preocupante que o presidente da FIFA Joseph Blatter, constrangido com os urros vindos das modernas cadeiras das arenas italianas contra os atletas negros, ameaçou recentemente tomar medidas drásticas contra os clubes.
Não vamos muito longe. Aqui, neste recanto do planeta, bastou a Seleção Brasileira botar os bobinhos espanhóis na roda e o que se ouviu foram urros na Europa. Macacos, orangotangos, foi o mínimo que nos chamaram. Futebol é assim mesmo, pode pensar alguém. Nada disso. Respeito é bom e todos merecem. Já é tempo de que essas vozes ultrajantes sejam abafadas. É o mínimo que se pode dizer afinal, a lua já está na sétima casa e Júpiter está alinhado a Marte. Aguardemos então para viver um tempo em que a paz guiará os planetas e o amor governará as estrelas. 

Saiba mais sobre o tema:

Hair - No palco e na tela
Aquarius - Letra e vídeo
Racismo no futebol italiano
Racismo na Itália






09/07/2013

Jogos intermináveis

O futebol era nosso vício. Os jogos eram intermináveis. Não adiantava nossa mãe lembrar que devíamos esperar o almoço descer sob pena de sofrermos uma congestão. Qual nada! Os pratos ainda estavam na pia e nós já dividíamos os times. Bastava uma bola velha e a gurizada gastava tardes inteiras com intervalos resumidos para um gole de água ou um furtivo café preto com bolinho frito.
Camisetas velhas, puídas, furadas. Calçõezinhos no mesmo estado. Os pés descalços. Porém, disposição interminável para enfrentar uma maratona que só encerrava quando o pretume da noite tomava conta, escondendo as goleiras improvisadas e engolindo a bola de nossas vistas.
O campo era bom. A grama era farta. E fofa. O campinho era um terreno ao lado da casa de uma senhora idosa que curiosamente era chamada de Dona Guria. O local era baixo e nos dias de chuva nossa grama sumia sob um véu de água. Levava dias para que pudéssemos retomar às atividades normais. Ao lado do campo, uma floresta de maricás e mamoneiros. Vez por outra, nossos pés sofriam com a ação dos aterrorizantes espinhos de maricá, especialmente quando a bola precisava ser buscada no meio do arvoredo.
Os times contavam com três jogadores na linha e um goleiro. Normalmente os goleiros eram os mais velhos da turma. Nos sábados à tarde era comum a realização de torneios. Juntavam-se meia dúzia de meninos e a competição seguia enquanto as vistas enxergassem a bola. Não havia finalíssima. Em regra não havia medalha e nem troféu para os campeões. O suor e o cansaço, um que outro gol feito, um que outro salvo, uma peripécia qualquer era o troféu que levávamos para casa.
Todos éramos campeões. Mesmo aqueles que perdiam.
Um dos times de melhor campanha era o que formamos: eu, meu irmão Sérgio e o Pirão. No gol, o Mário ou, em seu impedimento, alguém arrebanhado de última hora. Nosso adversário mais corriqueiro era o time formado pelo Orildo, seu irmão Carlinhos, o Betinho ou o Luís Peito de Aço. O Marino, se minha memória não me trai, de vez em quando jogava também. Jogos feios, de muita dedicação, de muita vontade, muita força e alguns raros lampejos de qualidade.
Todos eram finais de Copa do Mundo. Não havia amistoso, jogo-treino ou frescuras que tais. Quando a bola rolava, sem juiz, sem coordenação externa qualquer, o sangue fervia de tal forma que cada falta era discutida até as últimas consequências. Evidentemente que, em alguns momentos, o tempo enfeiava. “Foi falta”, gritava energicamente um time. “Não foi”, respondia com a mesma decisão e fervor a outra equipe. Quando a coisa chegava no extremo, parava-se o jogo e iniciavam as rodadas de negociações. Até que alguém cedesse e se chegasse a um acordo.
Se não houvesse acordo? Bem, aí o que restava era o time que se achava prejudicado deixar o campo, abandonando a disputa. Era importante deixar bem claro que o time saia do jogo não por medo do adversário, mas sim porque não concordava com tamanha injustiça.
Às vezes, um adulto que se encontrava na redondeza fazia o papel de conciliador. Acalmava os ânimos e mandava a gurizada retomar a partida. O Seu Adegildo, pai do Betinho, em muitos momentos apaziguou os ânimos. Ele tinha um poder enorme sobre os meninos. Seu filho era o dono da bola. Se a encrenca fosse muito grande, Seu Adegildo mandava o Betinho pra casa. Acabava o jogo. Terminava a confusão.
“Prometem que vão jogar direitinho?”, perguntava depois de dar um discurso sobre o valor da amizade. Com medo de ter o jogo abortado, confirmávamos sacudindo a cabeça sem nem ao menos encarar o sábio veterano.
A partida recomeçava e seguia por um bom tempo. Até que uma nova falta duvidosa ou um gol irregular voltasse a tirar todos do sério novamente.  

02/07/2013

A Copa das Conspirações

Elvis não morreu
O homem jamais foi à lua. Os saltos felizes de Neil Armstrong, no dia 20 de julho de 1969, não foram dados no satélite, mas sim em um estúdio de televisão diante de um cenário que imita a paisagem lunar. Há relatos, fotos, filmes que desmascaram a farsa do governo americano. Porém, apesar das provas incontestáveis, não convém à grande mídia revelar a verdade.
Elvis Presley, o Rei do Rock, o primeiro astro mundial da música capaz de arrebanhar multidões, descansa em paz depois de anos de labuta. Cansado da vida turbulenta de ídolo, retirou-se o cenário forjando uma morte inesperada e um enterro em 1977. Dizem que até hoje, em seu esconderijo, calçando pantufas e metido em largos abrigos que abraçam seu proeminente abdômen, sossegado em seu canto, gasta seu tempo brincando com seu cão de estimação.
Amigo de Lisa Presley desde a infância, Michael Jackson não foi muito original. Falido, dono de uma imagem arranhada por inúmeros escândalos sexuais envolvendo a pedofilia, o Rei do Pop não encontrou outra saída. Imitou Elvis, forjando sua morte bem no momento em que ensaiava para um espetáculo milionário que percorreria o mundo. Resultado: as vendas de seus discos produzidos até ali foram às nuvens. Ele voltou a ser sinônimo de sucesso e seu passado esquecido. Talvez como Elvis, MJ esteja sorrindo neste exato momento.
Paul McCartney, com 71 anos de idade, ainda na ativa, é mais um exemplo de que as aparências enganam. Na verdade, quem sobre ao palco lépido e faceiro é um talentoso sósia que o substituiu logo após a sua morte nos anos 60. Como os Beatles se encontravam no auge, esta foi a opção encontrada pelos seus produtores para não deixar o negócio esfriar. Há fortes evidências de que isso realmente aconteceu. A música I´m só tired, tocada ao contrário, faz menção sobre a morte prematura de Paul. A estratégia, pelo que se viu, deu tão certo que o sósia engana direitinho até hoje.
As conspirações não param por aí. No esporte, então, acontecem aos montes. Quem não sabe, por exemplo, que a Copa do Mundo perdida pelo Brasil para a França foi comprada. Ronaldo Fenômeno, que era contra isso, recebeu doses cavalares de calmantes e entrou no campo grogue. Jura que até hoje não sabe o que ocorreu. Roberto Carlos, sabedor da artimanha, calmamente ajeitava a meia enquanto os franceses faziam pequeno esforço para derrotar a Seleção Canarinho. O que o Brasil ganhou com isso? A Copa de 2014. É lógico!
Agora mesmo, neste ano de 2013, voltou a acontecer a mais deslavada manipulação da realidade. Enquanto os brasileiros trincavam os dentes e gritavam o Hino Nacional, os furiosos espanhóis ajeitavam as madeixas. O resultado não poderia ser outro. O Brasil sapecou os pupilos do Del Bosque calando uma Espanha inteira. Feridos em seu orgulho nacional, os espanhóis foram à forra: “são uns macacos”, tuitaram.
O que não sabem os pobres coitados e nem desconfiaram os brasileiros é que antes da partida, Iniesta, Casillas, Piqué, Ramos, Nava e Torres foram substituídos por sósias. Até a Shakira, que aparecia vez por outra na transmissão, não estava presente. Estas técnicas de holograma realmente são convincentes.
Tudo porque era necessário que o Brasil ganhasse. E assim foi feito. Agradou-se o povo que enchia o novo Maracanã e, de lambuja, arrefeceu o ímpeto dos manifestantes que queriam um país melhor.
Não vê quem não quer!

Saiba mais:


25/06/2013

As faces da corrupção

Tudo estava tão parado. Os dias se passavam sem atropelos. Cada um no seu lugar. Todo mundo quietinho. Sem lamentações públicas.  Cada um curtindo suas lamentações privadas. Remoendo tudo sem muito alarde. A falta de sobressaltos levava a crer que todos estavam extremamente tranquilos. Essa tranquilidade parecia permanente e insuperável. Não havia riscos, pois o conformismo havia vencido todas as batalhas. As caras de todos, sabemos agora, eram de disfarçado contentamento.  
De uma hora para a outra, tal qual ocorre no estouro da boiada, a ordem é rompida. E o que parecia um lago de tranquilidade revela-se um mar tenso, revolto e perigoso. No lugar do conformismo, a insatisfação. Não uma insatisfação qualquer, mas sim uma insatisfação maiúscula. Uma insatisfação que vinha sendo contida e que, aos poucos, foi se libertando. 
Tal qual um vírus ou uma bactéria que agem silenciosamente impregnando lentamente o tecido, o movimento foi sendo construído. Eis que somente foi notado quando eclodiu ruidosamente nas ruas. E os dias já não são mais os mesmos. Ruas trancadas, lojas fechadas, portas cerradas, horários de ônibus suspensos. Não em represália às reivindicações, que são justas e necessárias, mas sim pelo medo dos excessos.
Os meninos e meninas que marcham cantando e pedindo apoio pela construção de um país melhor, com menos corrupção, com mais educação, com mais segurança e saúde promovem um espetáculo cívico. A história mostrará que o momento atual é de transformação. Os estudiosos dirão que foi o julgamento dos envolvidos no mensalão, condenados e não punidos, que desencadeou todo este anseio por mudanças. Torcer para que mudanças ocorram é um dever de todos nós que queremos um futuro mais venturoso para os brasileiros. 
Nos grandes centros, porém, o movimento cívico, patriótico, tem servido de guarida para um cem número de indivíduos.  Escondidos no meio das passeatas, nutrindo sentimentos dos menos nobres possíveis, se aproveitam do afrouxamento da segurança e promovem um espetáculo dantesco. Queima de ônibus, perseguição a jornalistas, incêndio de lixeiras. Atingem alvos inescrupulosamente. 
Esta incidência lamentável já está se tornando uma regra. Com isso, mesmo aqueles que se dizem simpáticos às reivindicações vão sendo contrariados. A alegria cívica é substituída pela desconfiança, pelo medo. 
Não esqueço o pavor que os dois idosos tinham nos olhos quando o coletivo que se encontravam foi apedrejado e queimado, numa dessas manifestações no Centro do Brasil, na semana passada. Imagino o sentimento de desamparo, de insegurança que sentiram aqueles dois senhores ao enxergar aquela turba raivosa atirando pedras, jogando pesadas barras de ferro nos vidros e ateando fogo nos estofados. Gente assim não constrói um país mais justo, não constrói uma pátria melhor. Quem atenta contra a cidade, não merece respeito. 
O crescimento dos atos de destruição está corrompendo o movimento. Se assim continuar, os manifestantes perderão a autoridade moral que os sustenta. Se a violência e o vandalismo venceram esta luta, os avanços - se tivermos, serão mínimos. Torcemos para que esta corrupção que prejudica até os tecidos que parecem mais sãos, seja eliminada. Para o bem do Brasil.

18/06/2013

As razões dos protestos

O Brasil tem muitos defeitos. Milhares, milhões talvez. Há alguns acertos. Milhares, milhões talvez. Já foi muito ruim para a maioria. Hoje é ruim para muitos, para milhares ou milhões. É inegável, no entanto, que mudanças significativas vêm sendo sentidas nas últimas décadas. Porém, há sim muito que protestar. O Brasil que se vê na tevê nem sempre é o Brasil que vivemos. O discurso oficial no mais das vezes não traduz a realidade sentida pela população. 
Uma das mudanças mais significativas foi a conquista da liberdade. Houve um tempo em que tudo era proibido. Organização sindical, manifestações públicas, protestos, organização partidária, pequenas reuniões, músicas, filmes, peças teatrais que manifestassem o desconforto com as coisas do país, do seu dia a dia, da economia, da política. O regime podava, prendia e matava. Verdadeira guerra havia por aqui. 
Felizmente este panorama está somente nos livros de História. História triste, mas verdadeira. Os problemas, no entanto, não foram resolvidos somente com a liberdade de expressão, com a liberdade de organização sindical, com a liberdade política. A educação ainda se arrasta. Os professores formam um exército de baixos salários. As escolas públicas em geral sucateadas. A saúde, muito embora a propaganda oficial a coloque em estágio de primeiro mundo, não satisfaz aos anseios da população, especialmente a menos assistida. 
Combustível pela hora da morte, telefonia caríssima com resultados que nos envergonham e nos revoltam. Faltam investimentos na segurança pública. Problemas, problemas e mais problemas. Sem falar na roubalheira geral que vem dilapidando as riquezas do país sem qualquer arrefecimento desde 1500.  Não haveria espaço aqui para descrever todos os setores deficitários no país. 
Combustível para protestos é o que não falta neste Brasil. Ânimo é o que vinha faltando até então. Isto porque nos acostumamos com a iniciativa dos partidos políticos. Apostamos neles como agentes de transformação da sociedade.  Esperamos pelos outros. Os outros, no entanto, parece que não estão muito preocupados com estas questões do dia a dia. Estão envolvidos em projetos mais rentáveis. 
Todos os protestos são respeitáveis, mesmo aqueles com os quais não concordamos. É o que sempre defendemos. No entanto, é importante que mantenham o foco. Um protesto contra tudo e todos não será eficaz. Objetividade ajuda. Senão facilmente perderá a identidade. Ainda mais se a turba dos vândalos, dos aproveitadores e dos que são movimentados apenas pelo barulho tomarem a dianteira e continuarem protagonizando cenas lamentáveis de destruição e de afronta a quem decisivamente não são os culpados pelo estágio em as coisas estão. 
É bonito protestar. É até fashion. Especialmente se os protestos forem movidos por propostas, por reivindicações, pela luta por um país melhor, por mais verbas para a educação, para a saúde e segurança, por mais justiça, por mudanças. Tomara que este movimento todo seja impulsionado por razões como estas. Caso contrário pode se transformar em mais combustível para alimentar as paixões e as vaidades compartilhadas nas redes sociais.

16/06/2013

Eu bebo porque gosto, tchê!

Aqui pelas bandas dos pampas, nos anos 70 e 80, quando se falava em refrigerante (ou refri como preferia a turma do Bom-Fim), não estava se falando da Coca-Cola. Os gaúchos foram os últimos a se entregar aos encantos da Coca. Foi o reduto onde a Pepsi resistiu bravamente na preferência popular.
Mas a Pepsi tinha os concorrentes locais. Dois deles se destacavam entre a garotada. Minuano Limão e Guaraná Frisante Polar eram os grandes refrigerantes desta terra. O Minuano, fabricado pela Vontobel, era delicioso. Na sua publicidade um gaudério exclamava no final: Eu bebo porque gosto, tchê!
O Guaraná Polar tinha um jingle especial que não saia da cabeça dos meninos: "Guaraná Frisante Polar, refrescante, refrigerante, Guaraná Frisante Polar...". 

Guaraná Fruki, vendido em caminhões pelo interior do Estado, também tinha um bom espaço por aqui. Aliás, foi o primeiro que eu tomei. Tão logo o caminhão passou na Vila das Pererecas (hoje Loteamento Popular) sai correndo com algumas moedinhas na mão. Cheguei suado e ofegante. O vendedor, no meio de engradados aquecidos por um sol escaldante de verão, abriu a garrafinha e me entregou. Ali mesmo, o líquido quente desceu pela minha garganta!

Veja outras curiosidades acessando a página Anos 70/80.

11/06/2013

A ficção vira realidade

Cena do filme 1984
A ficção mais dia menos dia vira realidade. Em 1984, de George Orwell, Winston Smith é um membro do serviço burocrático do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade. Desempenha a nobre e entediante função de reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido. O objetivo é controlar tudo o que se dizia, o que se sentia, o que se pensava num estado totalitário. A unificação do objetivo e até do subjetivo. Um sonho dos ditadores de todos os continentes e de todos os tempos. O angustiado e impotente Winston questiona a opressão que o Partido exercia nos cidadãos. Se seguisse o traçado diferente da cartilha, cometia crimideia (crime de ideia em novilíngua) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento e era vaporizado. Desaparecia.
Isto é uma ficção. Será mesmo?
Apesar dos constantes alertas que nos chegam, normalmente através de e-mails dos nossos queridos e paranoicos amigos, sempre sobra um pouco de incredulidade. Nossos e-mails são rastreados, tudo o que compartilhamos, que curtimos, que externamos no Facebook e nas outras redes sociais estão sendo controlados por alguém. Este poderoso alguém é capaz de reunir todas as informações possíveis a respeito de seus ingênuos súditos e um dia, assim na maior surpresa, receberemos um calhamaço de acusações. Esta data se aproxima. O dia ficará conhecido como O Juízo Final. Não haverá advogados suficientes para fazer tantas defesas.
Em pé, com os músculos cansados, com os pés inchados, os incautos seres sofrerão a tortura suprema. Em uma grande tela luminosa surgirão em alta definição os gracejos mais infantis, as piadas mais infames, as manifestações mais preconceituosas feitas em um tempo em que o mundo era até divertido. Tudo aquilo que um dia foi tranquilo e sereno, produzido e apresentado no mundo virtual ganhando uma dimensão monstruosa. Será um vexame só. Até as comunidades do extinto Orkut “odeio matemática”, “quero exterminar os moralistas”, “sou assim e não mudo um centímetro”, que pareciam pertencer a outro mundo, ganham vida e voltam a atormentar.
De certo modo o noticiário internacional, que aponta a revelação de segredos de estado por parte de funcionário americano, demonstra que o temor que muitos têm em relação à privacidade das comunicações virtuais não é balela de gente que teme à toa. Há um fundo de verdade sim no medo de ser espionado pelo Grande Irmão. São fatos, não meras especulações. O Império separa as mensagens enviadas pelas pessoas, as classifica dentro dos critérios que estabelece conforme seus interesses, forma dossiês com base nos dados coletados e poderá promover acusações no futuro. Quem garante que não?
A história de George Orwell se passa em 1984. Por quê não em 2013? Quem duvida?

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04/06/2013

Maionese, ketchup e mostarda

Programa quase que obrigatório aos sábados pela manhã é a ida até a feira do produtor. E o costume não é de hoje. Na pequena cidade de Campina das Missões, há 634 km do Litoral Norte gaúcho, há quase 20 anos, minha visita à feira tinha um objetivo específico: comprar cucas russas produzidas no interior do município por pequenos agricultores.
As cucas de lá são as melhores que conheço. E mais, de tão saborosas, dispensam qualquer tipo de cobertura. Basta um cafezinho com leite. Nada de margarina, de schimier, de manteiga.Quando muito uma nata, não dessas industrializadas, mas sim aquela saborosa substância que sobressai do leite fervido. Tão somente aquela nata valoriza a cuca e não corrompe o seu especial sabor.
Dizem que a produção é um trabalho penoso. Os ingredientes devem ser misturados num processo lento, chegando a levar até uma semana para que a cuca mostre sua verdadeira cara. Por isso a produção era artesanal, resultando em poucas unidades. Raras eram as senhoras que se dedicavam ao seu preparo. Até chegar ao forno, doses extras de paciência parece ser o ingrediente necessário nesta tarefa de aguardar o desenvolvimento do trabalho feito pela natureza no processo de fermentação da massa.
Numa visita à redação do Correio do Povo e da Zero Hora, acompanhado pelo querido amigo Abílio Kapelinski, prefeito daquela distante e distinta cidade, trouxe alguns exemplares da produção artesanal campinense. O porta malas do carro oficial veio cheio de cucas russas que foram distribuídas nas redações dos jornais entre os editores e repórteres da Central do Interior. As cucas abriram portas. Pequenas notas sobre a cidade começaram a aparecer na grande mídia. Sinal de que o trabalho bem feito lá na colônia tem um valor muito maior do que o preço cobrado pela sua venda.
Estas imagens antigas me veem à mente quando penso no costume cada vez mais presente de besuntar pizzas, pastéis, hamburgueers e até batatas fritas com as indefectíveis maioneses, ketchup e mostarda. Molho e mais molho para ressaltar o sabor.
Sejamos honestos, as pizzas industrializadas, essas que se encontram nos supermercados, não são dotadas de sabor. O sabor é o próprio molho. E este truque, adição dos molhos, é um golpe certeiro e um requisito indispensável para que a indústria consiga vender as imitações de pizzas e as imitações de hamburgueres com gosto de papelão.
Porém, como o sábio previdente bem alertou, tudo aquilo que está ruim pode ficar um pouco pior ainda. E de fato, a corrupção do sabor saiu das gôndolas dos mercados e, de modo silencioso e imperceptível, vai conquistando terreno. Seu crescimento é tão grande que vem atingindo até os locais insuspeitos. Nota-se nas boas pizzarias, aquelas que primam pelo verdadeiro sabor, que os comensais, seduzidos pelo apelo das indústrias, repetem o ritual e, inadvertidamente, lambusam seus pratos com generosas doses de molhos derrubando, assim, o esforço do pizzaiolo.
Tendo em vista o eventual sucesso deste sórdido plano patrocinado pela indústria alimentícia que gera verdadeira corrupção do nosso paladar, lanço aqui um manifesto pela manutenção dos sabores saudáveis. Os gritos de ordem de agora em diante serão: “pelo sabor genuíno das cucas de Campina das Missões; pelo gosto insuperável das pizzas da À Lenha; fora maionese, ketchup e mostarda; viva a salada do chef; viva a nata e o leite colonial”.

28/05/2013

O dia em que a Terra parou


Imagine que ocorra um fenômeno até então desconhecido pelos cientistas, pelos pesquisadores, pelos especuladores, pelos palpiteiros e nem pelos curiosos de todas as matizes. Por uma série de conjunções não bem explicadas, o mundo chega num determinado ponto e tudo pare. Neste exato momento. Sem aviso prévio, sem comunicação antecipada, sem notificação, nem nota oficial lida pelo Willian Bonner no Jornal Nacional.  A coisa simplesmente parou e pronto. Como nunca antes na história ocorrera. Cada indivíduo será colhido de calças curtas no exato local em que se encontra. 
Porém, nem todos estarão adormecidos. Sem fome nem frio, continuarão imobilizados, mas com a consciência em perfeito estado. Seria um choque para todos. Ninguém estaria preparado para uma parada dessas, ainda mais sem um planejamento antecipado. 
Os que dormem no outro lado do mundo continuarão dormindo. Os que sonham continuarão sonhando. Os atormentados por pesadelos continuarão correndo dos monstros disformes que insistem em se aproximar perigosamente, enquanto seus pesados pés custam a sair do chão. Suas pernas doem e os monstrengos cada vez mais se aproximam. 
Os amantes sentirão na alma o sabor doce e inconfundível do bem querer. Os que odeiam, estes continuarão remoendo em suas entranhas por largo tempo o amargor dos sentimentos menos nobres. E os que nada sentem experimentarão a ausência total, o vácuo, o vazio. Os desconfiados desconfiarão de que estão vivos. Ou será que estão mortos? Os gananciosos, que até formol colocam no leite das criancinhas em busca de alguns milhões a mais, ficarão ansiosos. Será para eles uma tortura desperdiçar um tempo precioso. Prisioneiros do acaso não poderão implementar mais um plano diabólico e eficiente, mais uma sacanagem  contra  toda esta gente honesta que, inadvertidamente, bebe um pouco de morte ao invés de saúde. 
Os assaltantes ficarão no meio do caminho. Os policiais também. Alguém, parado na fila do banco que, verdadeiramente não anda, lembrará  dos cheques que têm para cobrir. Das contas e mais contas que ainda tem que pagar neste mês que não finda. Outro, logo atrás, continuará absorto nos seus planos de futuro. Faculdade, cursinho, concurso. Aprovação e posse. Estudo e mais estudo que ninguém chega lá sem suor.
Na loja de discos três ou quatro clientes observam os CDs, os DVDs e as quinquilharias. No ambiente uma música que toca do início ao fim, repetidas vezes. Repete e repete o mantra premonitório, como se um dia alguém pudesse imaginar toda aquela confusão. Raul Seixas, a  plenos pulmões, vivo como nunca, espalha no ambiente sua fértil imaginação: “Este noite eu tive um sonho, de sonhador, maluco que sou eu sonhei, no dia em que a Terra parou”.
Sonho ou pesadelo? Não importa, às vezes bem que nosso mundo precisa de uma parada. Não uma parada completa. Mas um “stop” individual. Diminuta parada para que se possa analisar o que está se fazendo neste exato momento. O exercício é interessante. Vamos parar um pouco? 

Algo mais sobre o tema:

21/05/2013

O Aurélio


Nota 10. É o que esperam os pais do desempenho de seus filhos em idade escolar. A nota máxima faz bem ao ego, especialmente ao dos pais. No entanto, sabemos que o aluno nota 10 é a exceção. Em regra, a garotada se divide entre os atrasadinhos, os medianos, os bons e alguns poucos “este cara sou eu”.
Tive colegas nota 10. Daqueles que o professor começava a falar determinada coisa e ele emendava com correção e presteza o final da sentença. Uma chatice só. Um deles, cujo nome não revelo (não para evitar constrangimento, mas sim porque já esqueci), se especializou tanto em terminar frases por ele não iniciadas que um dia, tendo faltado à aula, deixou o professor na maior saia justa. O coitado iniciava uma sentença, dava um tempo esperando que o aluno faltante completasse a frase. No ar ficava o constrangido silêncio.
Uma outra colega não tirava nota menor do que a máxima. Era uma ilusionista. Conseguia condensar toda a matéria em uma tirinha de papel brilhantemente enrolada. Se precisasse escrevia toda a bíblia em código num pedaço minúsculo de papel que cabia entre seus finos dedos. Ela inventava de tudo. Era pós-graduada em cola. Mesmo aqueles professores durões, que flagravam qualquer tentativa de burla, eram magicamente enrolados pela esperta colega.
Fazia parte da grande turma dos medianos. A característica deste grupo é atingir a nota necessária para aprovação. O que não é muito bom. O que não é um exemplo salutar para as novas gerações. Porém, os medianos daqueles tempos tinham auto-estima, sim. Um nove ou um 10 vez por outra não estava fora de cogitação. Os medianos não eram apáticos. Eram desligados, desplugados. Eram mais ou menos. Não eram, porém, nulos.
O que não sabíamos, os medianos de então, era de que cabíamos na categoria dos medíocres. A professora de Português é quem foi a responsável por comunicar aquela enorme turma de medianos de que todos nós, com exceção dos nota 10 e dos bons, eramos sim medíocres. O que foi um espanto geral. “Fulano de Tal, abra o Aurélio e leia aos colegas o que significa o vocábulo mediano”, ordenou com decisão. “Mediano – adjetivo. Que está no meio, ou entre dois extremos; médio, meão, medíocre”, leu nosso colega com sonolenta e indecisa voz.
Misto de decepção, incredulidade e revolta. “Quem era este tal de Aurélio para dizer isso de nós?”, pensou alguém lá na frente. “Essa bruxa só pode estar brincando”, pensou outro dedicado medíocre no meio da sala. O pessoal do fundo mal se mexia na cadeira. Gelados, talvez nem pensassem.
Acredito que a atitude da professora de Português tenha mexido com os brios da turma. Nas avaliações que se seguiram houve considerável nivelamento para cima. Os meia-boca deixaram a confortável zona que ocupavam e se dedicaram um pouco mais. Melhores trabalhos, um pouco mais de atenção, maior participação, um pouquinho mais de estudo e, por consequência, notas um pouco mais elevadas.
Com o tempo muitos voltaram aos padrões corriqueiros. No entanto, valeu a lição. “É isso que querem para suas vidas? Notinha para passar? Onde está o prazer? Quem sabe lutem para fazer as coisas da melhor maneira possível? Quem sabe trabalhem para fazer mais e melhor?”.
Momentos de indignação são importantes para a vida. Consultar o Aurélio, nem que seja de vez em quanto, também.  

14/05/2013

O tempo de cada um


O dia bem que poderia ter mais do que 24 horas. É o que pensa o jovem empresário, no auge da sua produtividade. Trabalho, casamento, filhos na escola, academia, encontro com os amigos. Carreira, negócios, relacionamentos. Tudo agendado, sem chances de improviso, de erros. O dia fica pequeno para tanta atividade.
O dia é longo demais, pensa a velha senhora, envolvida com suas dores no corpo, com seus medicamentos (acondicionados em uma caixa de sapatos), com a repetitiva e pouco atrativa programação da televisão. O dia é grande demais. O tempo solitário é longo. Os minutos passam sonolentos. As horas se seguem em câmera lenta. Os turnos se sucedem preguiçosamente.
Para o jovem, cheio de energia, de sonhos e de possibilidades, o tempo não tem preguiça. Não tem sono nem relaxamento. A tomada sempre está ligada. As ações se seguem, sem interrupções. Não há como desperdiçá-lo. Há carência, nunca excesso.

09/05/2013

A turminha

A constituição de grupo é uma tendência. Os animais selvagens sempre usaram a estratégia como forma de garantir a sobrevivência. Um gnu, animal das savanas africanas, é presa fácil. Um bando de gnus pode até aumentar a facilidade para o caçador. Porém, se um for sacrificado todos os demais poderão empreender a fuga. Além do mais, se o número for excessivo e os animais estiverem espertos poderão reagir em grupo com chifradas e coices espantando seus predadores.
Os humanos, lá no princípio, se valiam dos seus instintos imitando os gnus. Para enfrentar as feras se uniam em grupos. Munidos de suas rudimentares armas (lanças, tacapes, pedras e estilingues) formavam pequenas milícias garantindo a saúde dos idosos, das mulheres e das suas crianças. 
Hoje as armas antigas não fazem mais sentido. No entanto, a tendência à formação de pequenos grupos, de tribos diminutas ainda é uma tendência. Quem não tem uma turma está fora do contexto. Aqueles que não pertencem ao grupo estão efetivamente fora do mercado. Nos dias de hoje, porém, as turmas nem sempre são de carne e osso. Com o fenômeno das redes sociais as turmas virtuais vão tomando conta.

30/04/2013

Cena de sangue


“De noite eu rondo a cidade/a te procurar sem encontrar/no meio de olhares espio em todos os bares/você não está”. Estes versos fazem parte de uma canção das mais conhecidas da Música Popular Brasileira, Ronda. O autor, Paulo Vanzolini, saiu de cena no último dia 28 (28.04.2013). Sua morte, no entanto, passou ao largo, ocupando espaços diminutos nos segundos cadernos dos jornais. 
Ronda é um clássico. Praticamente todos os grandes intérpretes da música nacional uma ou outra vez cantaram as desventuras de uma mulher desprezada pelo amor de sua vida que, pacientemente, se submete a procurá-lo de bar em bar. Injuriada, tomada do sentimento de vingança que acompanha o ciúme, se martiriza antevendo a triste cena de seu amado se refestelando com outras mulheres. 
De certa forma o destaque dado pela mídia corresponde à expectativa de Vanzolini. Apesar do insuspeitável talento como cronista do panorama paulistano, o compositor não via na música uma obrigação. Sua produção era econômica. Talvez por aí se explique a qualidade e o primor que empreendia a cada uma de suas obras.

24/04/2013

O dito e o entendido


A comunicação eficaz é aquela isenta de ruídos. Onde a mensagem enviada pelo emissor é recebida sem distorções pelo receptor. Onde quem fala consegue transmitir uma ideia limpa, sem fantasmas, sem segundas possibilidades de interpretação. Pau é pau e pedra é pedra e ponto final. 
Evidentemente que nem sempre é assim. 
Dia desses atravessando a praça central da cidade, passei por um bando de garotinhas. Possivelmente tivessem entre doze e treze anos.  Duas ou três ostentavam um visual gótico, bem ao estilo anos 90. Cabelos em desalinho, longos na frente- cobrindo os rostos finos e alvos-, curtos atrás, alguns adereços metálicos postos nos lábios e no nariz (piercings), roupas negras. Na parte superior camisas largas, excessivamente folgadas em corpos magérrimos, minúsculos shorts deixando à mostra pernas magras e longas, cobertas por meias pretas. Tênis também pretos, tipo botinha, completavam o escuro visual.

17/04/2013

Futuros possíveis


Entre as meninas a comemoração maior acontece com a chegada dos 15 anos.  Em regra observam-se determinados rituais. Festa ou viagem? Ou as duas? Ou nenhuma das opções, eis que a grana anda curta e há coisas mais sérias para enfrentar como cursinho, faculdade, intercâmbio. Walt Disney, quem sabe?! Noruega, algumas hão de pensar. Entrarão no Google e pesquisarão lugares que nunca sonharam em conhecer, que nunca conhecerão ou, quem sabe, um dia, com mais maturidade, talvez até por lá passem alguma temporada. 
 Entre os jovens, 15 anos nada significam. Já os 18, comemorados efusivamente serão. Carteira de motorista é a primeira providência. Um carrinho seminovo se as finanças dos velhos permitirem. 
A passagem do tempo, especialmente entre os meninos, porém, nem sempre vem acompanhada da responsabilidade. Há muitos que custam a entrar na fase seguinte: a da maturidade. Viverão - como os italianos da atualidade-, por preguiça ou precisão, providencialmente perto dos seus pais. Em caso de algum problema, uma mama ou um papa de plantão de braços abertos encontrarão. Famiglia reunita. 
Eis que passa o tempo e as datas de aniversário vão se tornando comuns. Há certo relaxamento em relação à efeméride. Somente as cheias, 30, 40, 50 e as seguintes vão despertar algum cuidado maior. Por vezes elas chegam carregadas de dramas, de crises próprias da idade.

11/04/2013

Direito ao esquecimento


O ex-presidente João Batista Figueiredo, o último presidente militar da ditadura brasileira, pediu para ser esquecido. Em uma entrevista disse que preferia o cheiro dos seus cavalos ao do povo. Muito embora negue peremptoriamente, Fernando Henrique Cardoso, também ex-presidente, teria pedido aos brasileiros que esquecessem o que ele havia escrito nas décadas anteriores ao seu governo. FHC desmentiu, mas ficou o sentimento de que ele queria realmente que suas teses, publicadas em inúmeras obras, não embasassem julgamentos críticos de seu governo.
Homens públicos vivem na corda bamba. Todo o cuidado é pouco. Uma palavra mal colocada pode gerar um passivo de difícil superação. 
Nos dias atuais a preocupação deveria atingir a todos. As redes virtuais são os meios mais comuns de difusão de pensamento. Ao longo dos tempos, tudo aquilo que está postado, curtido, compartilhado vai construindo um histórico do indivíduo. Meninos e meninas, inexperientes, confiantes no senso de humor, na galhofa momentânea não se dão conta de que o ambiente virtual é traiçoeiro. Não sabem que a rede que os recebe hoje, amanhã vai colocá-los como que diante de um espelho. E o pior, completamente nus. Os comentários fúteis, preconceituosos, a gracinha momentânea, vão, silenciosamente, constituindo um prontuário que, fora do contexto, dará uma ideia da personalidade do indivíduo, o que é chamado no meio virtual de perfil.