30/01/2013

A dor, o sofrimento e a galhofa


Enquanto a dor, o sofrimento e a comoção tomavam conta de todo o país num domingo cinza; enquanto milhares de voluntários arregaçavam as mangas para atender as vítimas e seus familiares; enquanto milhões de pessoas incrédulas assistiam as fortes cenas da boate Kiss em chamas; enquanto muitos internautas tentavam de alguma forma contribuir, parte pequena e ruidosa mostrava total alienação e falta de comprometimento para com a tragédia alheia.
Escondidos atrás de suas máquinas, inconsequentes e insensíveis navegadores lançavam sujos comentários. Uma menina achava graça de tudo.  Rude, grosseira, deselegante brincava com o hábito gaúcho de fazer churrasco aos domingos. Talvez algum soldado nazista, cumprindo as ordens emanadas pelo tirano, tenha em algum momento sentido mais compaixão do que ela.  
Não demorou  para que alguém, apressado, rancoroso e insensível ligasse a morte dos estudantes aos desmandos políticos da nação, aos “mensaleiros” e ao ex-presidente Lula. A pressa demonstrada por alguns era tão grande em agredir que nem a atitude da presidente Dilma, que deixou encontro de presidentes e se deslocou com presteza até Santa Maria, foi poupada. Aquilo que se vê de admirável, de humano no presidente Barack Obama, que suspende sua agenda em casos de comoção e se desloca até o local da tragédia para prestar solidariedade, em Dilma é aproveitamento político. 
O querido amigo Luís Henrique Benfica, atento a tudo na redação da RBS, estranhando a quantidade de comentários inapropriados e desumanos durante todo o domingo cinza nas redes sociais, postou no Face questionamento sobre tudo isso: “Será que estou louco?”. Não, não estamos loucos, respondo.  
Democrática como é, a internet dá voz a quem não deve ser ouvido. Dá notoriedade a quem não deve ser notado. Tudo vira motivo de piada. Cérebros inábeis transformam coisas sérias em meros gracejos. Assuntos densos viram brincadeirinha infantil. A galhofa por vezes é o tom. Nem mesmo a medida sensata e responsável da suspensão temporária do Planeta Atlântida, que seria realizado no próximo final de semana, passou incólume.  Um que outro lembrava os arranjos feitos no trabalho e os esforços necessários para a compra do ingresso.  “Quem pagará o meu prejuízo?”, perguntava com ansiedade. 
Apesar dos desatinos de alguns, que causam desconforto e desconfiança em relação aos limites do homem, é importante ressaltar que, nos momentos cruciais, como nas tragédias como esta de Santa Maria, parte mais significativa do gênero humano demonstra que no seu íntimo residem os sentimentos de pesar, de compaixão, de solidariedade e de cumplicidade prontos a serem libertados diante da necessidade. 
Ninguém conseguirá amainar a dor dos que perderam seus filhos, seus familiares e amigos. Porém, todos poderão contribuir silenciosa e respeitosamente com um pensamento, com uma oração, uma prece pelos pais que sofrem e por todos os filhos que partiram.

24/01/2013

A fórmula do sucesso


Sou solidário à comunidade que protesta em todos os verões contra mais uma edição da arapuca virtual protagonizada pelos heróis globais e seu joguinho sacana. Ao que consta, porém, a gritaria não tem sido suficiente para repercutir junto a patrocinadores. Do lado de lá somente silêncio. Para eles, toda a  gritaria não passa de insignificante sussurro. 
Uma coisa é certa:  a fórmula dos shows realísticos é muito boa. E rende muito. Candidatos que pretendem amealhar algum valor em dinheiro ou impulsionar uma carreira qualquer, cercados de câmeras, impulsionados pelos olhares anônimos de milhões de pessoas, vivem uma realidade fabricada na medida para que saiam do sério. Longos banhos de piscina, festas, corpos expostos, puxa daqui, empurra dali, uma bebida para refrescar ou esquentar a situação. Depois é jogar o jogo comandado pelo talentoso líder, misto de filósofo da banalidade e arauto do olimpo global.
Confinados na “casa”, deuses e semideuses, heróis da nação "pedrobialiana" expõem para um público louco por uma empulhação o melhor do pior. Conchavos, alianças, manipulações, enjambrações das mais criativas. A sede dos jogadores, por vezes cobertos por sutis edredons, lembra a relação incestuosa dos políticos pátrios com as gordas tetas da nação.
Os expectadores do show realístico, porém, estão em larga vantagem. Os mandatos dos “heróis” são diminutos. O reinado dura um só verão. Vez por outra um deles consegue uma sobrevida. Uma pontinha numa novela.  Uma participação num desfile. Umas fotos nas revistas e pronto. É uma exceção. A maioria volta para a fila dos comuns. Fim da linha.
Já o show protagonizado pelos jogadores das finanças do país é coisa que não tem fim. De vez em quando um escândalo derruba meia dúzia. São substituídos logo ali por outros párias. E a sacanagem segue interminável. 
O show televisivo termina ou é abortado pelo uso consciente do controle remoto, a melhor arma que dispomos de controle de qualidade. Porém, não há controle remoto para segurar os saqueadores do erário público. Uma pena. Seria de grande valia!

17/01/2013

Apreciando o movimento


Os carros passam em fila indiana. Apressados, os motoristas mal têm tempo de apreciar a paisagem. As casas vão passando uma a uma. Aos olhos dos condutores são a mesma. Porém, são distintas. Cada uma tem uma história. Cada casinha daquelas tem uma personalidade. São lares de gente que planeja o futuro, que trabalha. Ou de gente que só vive o dia de hoje e não se preocupa com o que vem por aí. Ou, ainda, de gente que vive do passado, revolvendo memórias de coisas que se passaram, que marcaram a existência. Não planejam o futuro. Talvez até pensem que ele não exista. 
Uma senhora, alva, idosa, assiste ao movimento da BR. Com seu vestido floreado  sentada confortavelmente numa poltrona, aprecia sem pressa os carrinhos que desfilam diante de seus olhos. Talvez faça como fazíamos nós, eu e meus irmãos, que criávamos jogos. “Os carros vermelhos são teus, os azuis são meus”. Invariavelmente, em algum momento, dava algum desentendimento. Ao contrário de nós, ela não tem com que discutir, não tem como inventar regras de última hora levar vantagem sobre o oponente.  
Quando era pequeno, muitas vezes agia como a velha senhora. Gostava de apreciar o movimento que se deslocava ao litoral. Carros, carrinhos e carrões. Passavam rapidamente levando apressados veranistas secos por um pouco de água salgada e por um naco de areia da praia. Alguns vinham abarrotados de gente. Os vidros invariavelmente abertos, eis que ar condicionado naqueles tempos era luxo hollyudiano. Além do sobrepeso interno, alguns dos pobres veículos ainda traziam no teto cobertores, acolchoados, colchões e outros insuspeitos volumes.
A praia era algo distante. Não estava nos nossos planos. O orçamento doméstico era deficitário. A rubrica para o entretenimento da gurizada era zero. Não só no verão, mas sim nos doze meses do ano. A solução era procurar algum açude para pescar alguns lambaris, joaninhas, carás ou trairinhas. Após a pescaria, com meia dúzia de peixinhos acomodados na improvisada fieira, chegava a hora do banho. A água era barrenta. Pobres das mães dos parceiros que ostentavam calções brancos.  
Tal qual a velha senhora, não fazia planos para o futuro. Curtia os dias de verão brincando de maneira improvisada. Brincadeira barata. Sem custos. No mais, no final do dia, na frente de casa assistia ao desfile de carros em direção às praias. As distantes praias do Litoral.  

11/01/2013

Os melhores momentos

Houve um tempo em que os jogos de futebol, inclusive as decisões dos estaduais, não eram transmitidos pela tevê. As redes de televisão filmavam os jogos e os apresentavam no final da noite. Durante à tarde, os torcedores tornavam-se reféns dos locutores de rádio. Os narradores, na ânsia em tornar as contendas ainda mais emocionantes, transformavam qualquer chutão em perigo de gol. "A bola passou raspando" dizia o narrador. A visão do torcedor criava a imagem da bola viajando perigosamente a alguns milímetros da trave. Sofrimento em vão: na realidade a proximidade nem era tão grande.
A tevê avisava solenemente: "Assista ao vídeo tape completo do clássico decisivo, hoje, às 10h30min da noite!". Como chamamento apresentava alguns poucos lances do jogo, os melhores momentos. Todas as emoções ficariam para mais tarde.
Os jogos hoje estão na tevê. Nem só os jogos, algumas emissoras gastam um tempão com os treinos. Discutem longamente a parte tática, as possíveis soluções que os treinadores poderão utilizar. Enfim, o futebol foi devassado. Tudo está na tevê. O torcedor já não precisa esperar até o final da noite. O jogo tá na tevê, no site, no blog. Está em todos os cantos. Até no rádio.
O mesmo está ocorrendo com as fotos. Houve um tempo, o mesmo em que o futebol não era transmitido ao vivo, em que fotografias (ou retratos) solenemente guardavam os momentos especiais. Para gastar um pose era necessário certo preparo. Primeiro haveria de se ter uma máquina fotográfica. Eram caras e poucos recursos tinham. Algumas, na realidade, não contavam com recursos. Um delas, a mais popular, vinha com um flash embutido. Depois de um tempo tinha que se comprar outro flash para substituição. Havia ainda a necessidade de adquirir um filme. Havia de 12, de 24 e de 36 poses. Este filme deveria ser recolhido, enviado a um laboratório para revelação. 
Não era incomum a constatação de que todas as fotos do casamento, por imperícia do fotógrafo ou por imprudência do laboratório, haviam sido perdidas. Muitas vezes os filmes eram enviados pelos Correios para laboratórios localizados na Zona Franca de Manaus (eu disse Manaus!). Depois de quase um mês de espera chegava a encomenda. Algumas fotos aproveitáveis e um filme grátis. Ao lado das fotos algumas miniaturas que, convenhamos, não prestavam para nada.
Hoje não é necessário esforço tão grande. Basta uma máquina razoável, um celular, um Ipad ou mesmo um computador qualquer. É só clicar e pronto. 
Ficou tão comum fotografar que ninguém sai para um passeio sem uma máquina. Às vezes o passeio ou o evento nem é tão grandioso. Porém, é o máximo se render boas fotos. A impressão que me causa é de que toda a emoção vai sendo substituída pelo prazer de  postar a imagem na rede. Os melhores momentos deixaram de existir. Tudo é o melhor momento. O almoço, o restaurante. O café da manhã. O banho no mar. Não há mais tempo  para assistir ao vídeo tape.
A vida de hoje tem edição instantânea.