24/12/2013

Boas vibrações

Imagine aquele indivíduo que fala a verdade o tempo todo. Que mantém seu censo crítico aceso durante as 24 horas do dia. Incapaz de falsear um segundo sequer. É o estraga-prazeres da turma. Mantém o pé na realidade sem ao menos dar uma passinho na fantasia. Azedume puro. Chato para dizer pouco. Pior ainda se não mantiver certa discrição na suas manifestações agourentas.
Porém, fantasiar é conceder. É amenizar. É acreditar no impossível. É fazer vistas grossas ao corriqueiro, ao normal, ao esperado.
Não há tempos mais mágicos do que estes do final de dezembro. Pelo menos para a grande maioria das pessoas. A esperança, tão comum nas propagandas da tevê que alardeiam novos tempos e forças renovadas para construção de um futuro cheio de realizações, parece ser recepcionada por parcela significativa dos humanos.  Em alguns momentos parece mesmo que a realidade vai dando espaço à magia, implementada pelas vibrações leves emanadas pelas mentes e corações de seres bem intencionados.
Lamento informar, diria o cético, conectado com a visão racional das coisas, “boa parte dos propósitos traçados neste período terão vida curta”. Ou seja, muito do que se planeja morrerá na casca. O clima de fantasia será superado pela realidade nua e crua já nos primeiros dias de janeiro. Francamente, há algo mais desanimador do que isso?
De algum modo todos nós somos capazes de manter estes dois indivíduos pulsando dentro de nós. Um deles, cético e antenado com a realidade, vai alertando dia após dia que os passos fantasiosos que vamos dando estão nos levando para um mundo ficcional. É o que nos trás  de volta à realidade quando sonhamos. É o crítico quer não aceita devaneios.
É o certinho que precisamos ser às vezes. O outro, romântico, esperançoso, vai dando vazão ao mágico, seguindo o caminho da fantasia, fazendo concessões, permitindo a convivência com as pequenas falsidades, com as hipocrisias do dia a dia, sem maiores altercações e ressentimentos.
O comum, o desejável, é que conquistemos a sabedoria de dar corda hora a um, hora a outro. Sem traumas. Evitando o investimento demasiado no ceticismo, sob pena de se construir uma existência sombria, nem abandonando a realidade pela vontade de que a magia e a fantasia resolvam tudo, como bem faz nosso lado infantil.
E assim seguimos nossa caminhada. Com açúcar e afeto, mas com uma pitada de sal e pimenta para aqueles que assim desejam.
Por derradeiro, indispensável agradecer os nossos leitores, especialmente aqueles que acompanharam nossa história neste ano.
Um bom ano a todos. Que sejamos cúmplices neste 2014 que se inicia.

21/12/2013

A Bola Pelé

Ilustração: Ana Caldatto 
A bola de futebol era o objeto de desejo dos meninos dos anos 70. Pobres, remediados e ricos. Todos almejavam uma bola. De couro, oficial nº 5, branquinha, costurada a mão. Ou de plástico. Todas elas serviam ao propósito da gurizada.  Se fosse Pelé, com a assinatura do Rei ao lado de uma imagem sua dando um soco no ar, melhor. Mas, caso não fosse do Pelé, a do Rivelino servia. 
Minha recordação mais antiga em relação à pelota está relacionada a uma tragédia. Era muito pequeno. No quintal meu pai  e tios faziam um churrasco. Os espetos eram feitos de taquara. Vez por outra o fogo rebelde subia sem controle, sapecando a carne e queimando o espeto. A taquara então era trocada por outra e seguia a festa.
Nisso surge uma bola no meio do caminho. Verdadeira festa começou para os meninos. Os pequenos chutavam a redonda entre as pernas dos adultos. Corriam desordenadamente, se jogavam no chão disputando uma partida sem regras. Chute daqui, chute dali. Eis que alguém, sem muita habilidade, desavisadamente acerta um chutão na bolinha de borracha. Ela sobe e cai dentro da churrasqueira. Bem no meio do braseiro. Meu primo Pedro ou algum outro qualquer ainda tentou de forma desesperada salvar a bolinha. A ação da brasa, porém, foi impiedosa. Vi a bola murchando. Ficou enrugada, torta, molenga, imprestável.
A festa não foi mais a mesma.

......


Quem gosta de bolas e brinquedos antigos tem que conhecer o blog da Ana Caldatto. Acesse no link abaixo:
 

17/12/2013

O presente de Natal

O que você gostaria de ganhar de presente neste período natalino? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Não vale resposta de miss, do tipo “a paz mundial” ou “que todas as pessoas sejam felizes”. Difícil, assim, à queima roupa achar uma resposta para uma perguntinha tão fácil e tão corriqueira, não é?
Muitos, porém, hão de lembrar a tal mega da virada, que deve distribuir uma boladinha em torno de R$ 200 milhões. Um Natal atrasado, eis que quando os números forem cantados no sorteio o velho Noel já estará em seu período de descanso, tratando de suas renas, engraxando suas botas e limpando seu treinó. De qualquer modo, não se pode negar que uma graninha extra assim faria uma verdadeira revolução no modus vivendi de todos nós cidadãos trabalhadores. Mas, a quantia que parece ser exagerada para todos os simples mortais não representaria quase nada para aquele milionário, o Batista, que viu sua fortuna minguar como bolo abatumado nos últimos meses deste ano. Não há números definitivos, talvez nem aproximados, mas uma revista arrisca ao estimar suas perdas em R$ 60 bilhões em dois anos. Montanhas e montanhas de papéis sem lastro que sucumbiram a negócios fantasiosos gerando choro e ranger de dentes.
Bem mais modestas, as moças no elevador calculam seus gastos semanais. Uma blusa de R$ 200,00, uma calça de R$ 300,00, mais isso, aquilo e aquele outro e já se foram mil. E ainda é terça-feira. A outra concorda em gênero e número. Lembra que nem comprou presentes para a família. “Só ganhando na mega sena para pagar tanto carnê”, concluem a conversa.

05/12/2013

As feras de ontem e de hoje

A média de vida dos nossos antepassados mais primitivos era de 20 anos. Informa-me surpreso meu filho mais novo, o Bruno, no auge dos seus 12 anos de idade, ao sair de uma de suas aulas. Isto significa que, caso estivesse lá, convivendo com intempéries de toda ordem e com as famintas feras que espreitavam silenciosamente e atacavam homens, mulheres e crianças, com suas garras e dentes afiados, ele e seus amigos teriam tão somente mais oito anos de vida.
 Imagine a loucura que era viver num tempo desses. Uma verdadeira tortura. A incerteza permanente. Vigilância 24 horas por dia. Instintos em apuros.  Sinal de alerta ligado. Tormentosa vivência. Uma vida sem segurança. Sem prazer. Tudo era medo. A caverna era o local mais aprazível. Sem graça, é verdade; mas seguro.