13/09/2017

Um quadro na parede


Imitação de quadro do pintor
italiano Giovanni Bragolin,
popular no Brasil
Fui à frente conferir que algazarra era aquela. Eram os filhos e filhas da vizinha que apontavam para o quadro Imaculado Coração de Maria de minha mãe, que estava pendurado na pobre sala de casa. Com os dedos indicadores e mínimos de suas pequenas mãos formando chifres que eram direcionados à pintura. “É do diabo, é do diabo”, diziam os vizinhos, crentes recém-convertidos e dotados de incomum fome em caçar na vizinhança os objetos do satanás. No fundo tinham a boa intenção de salvar a humanidade, mas, a ignorância e a intolerância eram tantas que talvez impedissem que salvassem a si mesmos.
Anos depois, na mesma vila e nas vilas de todo o mundo, o alvo foi outro quadro. O Menino Chorando, que se reproduzia aos milhares, foi implacavelmente perseguido. O quadro, segundo os boatos, era maldito. Dizia-se, ainda, que o pintor havia feito um pacto com o diabo e, diante disso, as casas que tinham a pintura na parede estavam sujeitas a incêndios e mortes de crianças. Os boatos iam mais longe: o próprio filho do pintor teria morrido logo após o término da obra. Em alguns lugares do mundo, como na Inglaterra, promoveram-se grandes queimas em praças públicas.
Também o fogo consumiu os LPs de disco music, nos Estados Unidos, no começo dos anos 80. Tudo isso porque um DJ de uma rádio, que não apreciava o gênero, identificou no estilo musical uma ameaça aos valores americanos. Talvez tenha pesado para isso o fato de que as grandes estrelas da disco music eram negras.
Vez por outra, em algum lugar no mundo, alguém se arvora no direito de dizer o que é certo e o que é errado. E, movido pelo ímpeto da falta de raciocínio e de inteligência, espalha suas certezas com boas doses de cólera. Agora com o advento da comunicação instantânea, esta ira tem se mostrado ainda mais perigosa. Bem demonstram isso as manifestações insanas que tomaram conta das redes sociais sobre uma mostra de arte em Porto Alegre. Buscam o satanás, a destruição da família e outros “que tais” nas obras expostas. Seus olhos certamente encontram. Como crentes recém-convertidos enxergam o mal na parede do outro.
Ora, a humanidade se corrompe por si só. O artista não é o responsável pelo que fazem por aí. O artista expressa a sua forma de ver o mundo naquele momento. Repito: a sua forma de ver o mundo naquele momento. O artista não está amarrado aos meus conceitos nem aos seus conceitos e, muito menos, aos conceitos dos outros.

O barulho é grande. Vez por outra vou até à frente da casa. Dedos formando chifres apontam para o quadro na parede: “é do diabo, é do diabo”, ainda dizem as pobres crianças temendo serem infelizes pelo que enxergam.

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2 comentários:

  1. Pois é. Quem são mais crianças: as que apontam o dedo ou as que dão guarida às crenças de última hora?

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    1. Muito boa e intrigante quwestão, Marcelo Alacarini. Abraços!

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