26/11/2014

Um filme

Os olhos se abrem. É cedo da manhã. Mais um dia começa para Leonel. É dia de Primavera.
Os pássaros já fizeram seu alarido. E isto começou muito antes de acordar. Aliás, a vida segue sempre. Não dá tréguas. 
O corpo descansou, é certo. Mas, a viagem foi grande. Tem sido grande. É estranho. Muito estranho pensa Leonel, lembrando que tem feito longos trajetos. Esteve em locais que não lembrava mais. Fez coisas que não sabia. E agora, quando acorda, a impressão que tem é a de que esteve atuando em um filme. Cenas de violência, de traição, de guerra, de amizade e de amor.
Porém, sente que este filme só foi visto por uma pessoa. E que sua atuação talvez não tenha sido das melhores. Que o roteiro não seja dos melhores. Que as histórias contadas não sejam das mais inspiradoras. Mas, a pior sensação é a de que não tem acesso a esta sala. E, de algum modo, sente com se houvesse certa injustiça no ar. Leonel gostaria muito de ver esta película. E, quem sabe, discuti-la. E, quem sabe, reinventá-la. Quem sabe refazer aquelas cenas que não ficaram boas.
Mas, no fundo sente que não há injustiça alguma. E, de algum modo, isto o chateia.

20/11/2014

As doces ameixas

Tarde da noite, sentado à frente do computador, uma pequena palpitação no coração aparece. Coisa muito sutil. Uma leve fisgada. Vou morrer, pensei logo em seguida. Esperei alguns segundos, alguns minutos e nada. Continuei escrevendo mais uma crônica, achando graça de minha conclusão apressada. Ora, como poderia meu coração contrariar o laudo do meu cardiologista?
Certo que um dia morrerei. Disto não restam dúvidas. Aliás, esta é a única certeza que nós, os humanos, podemos carregar na vida. O nosso fim ocorrerá. E, fazendo leve exercício antecipatório, posso até ver que, enquanto o corpo frio espera a hora do desaparecimento por completo, familiares, amigos, conhecidos e curiosos se aproximarão do caixão com indisfarçável compaixão. E alguns olharão com pressa e outros com reverente atenção minha imobilidade e analisarão minha brancura e notarão o quão envelhecido estou.

13/11/2014

Ódio: tô fora!

De uns tempos para cá, especialmente nas redes sociais, vêm crescendo de maneira muito significativa as manifestações de ódio. Como diria aquele velho pensador, nunca antes na história deste país uma eleição deu tanto pano para manga. As manifestações que se sucederam, muitas delas de pacatos e cordatos cidadãos, gente boa, educada, de boa família, fariam corar até a mais gélida estátua da figura mais desavergonhado que possa existir.
Não vou dizer que não assista alguma razão aos guerreiros. Não podemos e não devemos desconsiderar a gritaria toda. Porém (sempre há um porém), convenhamos que o foco das manifestações estava no lugar errado. Os mais espertos todos se colocaram de um lado e, por conseguinte, lançaram para o outro lado todos os retardados, ignorantes, insensíveis, irresponsáveis etc etc etc.

05/11/2014

Olhos verdes

A turma não era fechada. Havia um núcleo de três ou quatro fiéis escudeiros. Somavam-se mais quatro ou cinco preferenciais. A partir daí havia liberdade de buscar novos horizontes nas redondezas. Muitos destes contatos não aderiam à turma. Mas faziam, isso sim, parte da vida de alguns deles.
Não precisa dizer que eram adolescentes. Viviam na pequena cidade. O mundo era a rua. As garotas eram, em regra, as irmãs dos membros do grupo. Bem, na verdade, não eram suas garotas. Muitas delas eram sim o que queriam como suas garotas. Porém, não avançavam muito neste terreno.
Vez por outra apareciam, de surpresa, algumas pessoas que não faziam parte do grupinho, mas, por uma ou outra identificação, acabavam participando de algumas das ações.