24/10/2018

Pernas Longas

Mitomania: s.f, psicopatologia, tendência a narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras; hábito de mentir ou fantasiar desenfreadamente.

 Minha mãe, Dona Araci, que já saiu deste plano faz algum tempo, dizia que mentira tem pernas curtas. Eu acreditava nisso. Vez por outra, uma ou outra traquinagem feita por mim ou pelos meus irmãos, era resolvida diante da maternal inquisição seguida da ameaça: “tu juras que isso é verdade? Olha que mentira tem pernas curtas!”. Eram pequenas bobagens que se faziam. Coisas poucos significativas como quem deixou uma xícara cair, quem derrubou o açúcar na mesa ou, ainda, quem tinha começado a algazarra ou a briguinha entre irmãos.

A estratégia dava certo. A mim restava a desconfiança de que mães conseguem enxergar as coisas mesmo quando não estavam por perto. Cheguei a acreditar que tinham uma visão estendida, um poder oculto, quase como se uma câmera invisível bisbilhotasse o ambiente à procura de sinais de descaminho nos ambientes em que os filhos estavam, dedurando, assim, algum deslize dos pequenos.
Hoje, o mundo virtual vem desmentir categoricamente aquela premissa infantil. Não: a mentira não tem pernas curtas. A eleição dos EUA foi o exemplo primeiro: uma fábrica de notícias fantasiosas foi criada nas redondezas de Moscou e em países gelados e, aparentemente, neutros. De lá, meninos criavam notícias falsas para atingir os adversários de Trump e ridicularizar os EUA. Coisas bem estranhas, notadamente destacando a necessidade de devolver aos americanos o poder. O negro Barack Obama foi uma das vítimas mais visíveis. A própria Michele Obama foi atingida. Um rapaz, que deu uma entrevista dia desses numa boa reportagem feita por um repórter brasileiro, disse que, levado pela zoação, pela irresponsabilidade, criou uma notícia de que Michele era, na verdade, uma mulher trans.
A sandice foi uma das mais compartilhadas. Disse ele que jamais acreditava que uma bobagem dessas fosse tida como verdade por milhares de pessoas. Ocorre que, o fascínio de compartilhar uma novidade agregada à vontade de atingir outro, muitas vezes indefeso, e o aparente anonimato que a internet confere ao cidadão, incentiva este tipo de ação. A mentira repetida inúmeras vezes vai ganhando uma feição de verdade. E isso cristaliza.
Me incluí durante algum tempo no grupo dos que tentavam checar fontes, pesquisar responsavelmente, esclarecer quando possível, para evitar que amigos e pessoas de bem não caíssem neste tipo de armadilha. De nada adiantou. Concluo que quando envolve time de futebol, paixão religiosa e disputa eleitoral mais vale uma mentira que me favorece do que uma verdade que informe. Entreguei os pontos. Não há necessidade de stress. Se desejam um mundo de mentiras que sejam felizes assim. Há coisas mais importantes a fazer do que ficar participando deste joguinho.
O mais preocupante agora nem é a fábrica de mentiras que se vendem com embalagem de verdades. A justiça brasileira saberá agir como deve. Creiam. É verdade. Acreditem em mim! As notícias verdadeiras demonstrando vontade de intervenção no STF, de aniquilação dos adversários e outros disparates de quem supostamente está na frente é o que realmente preocupa. Se bem que, convenhamos, podemos acreditar que vamos sobreviver a tudo isso. Quem já passou por Collor, Sarney e Temer sobreviverá aos ganhadores e perdedores de hoje e a todos os perdedores de amanhã.
Mas, domingo tem uma eleição. Mais uma na nossa vida. Uma como tantas outras que vivemos e viveremos. Creio.

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