21/06/2018

O Paraíso


A ideia de um salvador é religiosa. Os homens primitivos, incapazes de compreender a grandiosidade do processo existencial, entendiam que eram incapazes de lutar por si só. Haveria de ter alguém mais forte, mais sábio e dotado de algum poder que, quando evocado, pudesse suprimir as dores e os sofrimentos pelos quais todos passavam. Construiu-se assim, a figura do deus salvador. A adoração e a ritualística visavam dar uma inflada no ego do Criador para que, de algum modo, elegesse aqueles que tinham maior mérito espiritual e, desta forma, mereceriam, sem sombra de dúvidas, um lugar ao Seu lado.
Apesar de reconfortante, a ideia de que alguém de fora iria suprimir o indivíduo do seu caminho imprimindo uma realidade menos austera e sofrível num processo de correção de rumo, em alguns momentos parece ilógica. Os espiritualistas e os filósofos conceberam sistemas de crescimento e desenvolvimento individual, sem a ideia salvacionista. Ou seja, cada indivíduo tem um caminho, uma trajetória, uma história para contar ao longo dos tempos. E os dias que virão serão sempre resultantes dos dias que vieram. O suor do rosto de cada um vai sedimentando esta estrada de superação e de insistência.
A ideia é que cada um dos viventes saia da ignorância existencial e, através de seu trabalho incessante, usando sua inteligência e sua capacidade de escolha, possa atingir estados progressivos de desenvolvimento até atingir um patamar de evolução que suprima toda a dor e desencanto que a vida comum possa apresentar.
Porém, a ideia de que um ser especial vai adiantar o processo é, realmente, muito sedutora. Quem não gosta de uma ajuda? Quem não se acha merecedor de um ajuda providencial para abrir os caminhos e passar na frente da fila evolutiva? Como dizem os treinadores de futebol quando querem justificar o fracasso de seu time diante de uma equipe bem menor: não existe mais ninguém bobo. A esperteza é a regra.
Sócrates, o filósofo grego, meio que estragou tudo espalhando a ignorância como um bem comum. Criou, com isso, a necessidade de que cada ser deveria olhar para dentro de si e, depois de uma análise criteriosa, humildemente admitir que pouco sabe sobre as coisas do mundo. O autoconhecimento, assim, seria a chave para o desenvolvimento do indivíduo.
Diferente de Sócrates, Platão era, antes de tudo, um lutador. Era um atleta que enfrentava oponentes no ringue, chegando mesmo a vencer jogos importantes na Grécia. Porém, com a morte de Sócrates, seu mestre, largou a vida pesada das lutas e saiu pelo mundo a aprofundar seu entendimento sobre a existência das coisas. Chegou à conclusão que nem só de matéria vive o mundo. Além do plano físico, objetivo e palpável, existia outro: o mundo das  ideias. Este mundo era o primitivo, mais perfeito. O mundo físico seria cópia imperfeita do ideal.
No frenesi do dia a dia, tudo isso fica muito distante da prática. Autoconhecimento, mundo das ideias, responsabilidade sobre o futuro são coisas sobremaneira distantes da realidade. É difícil pensar sobre isso quando há carnês e faturas para serem pagas, carreiras para se administrar, filhos, família, impostos, governo e crises de toda a ordem.  Melhor se algum salvador da pátria aparecesse e resolvesse todos os problemas extirpando os males e criando um paraíso na Terra: afinal todos nós, sem distinção, merecemos! 

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