27/09/2018

A Cegueira

Estamos na década de 60. O crescimento das repúblicas socialistas do leste europeu é uma realidade. Brigam EUA e URSS pelo poderio econômico e tecnológico. O risco do comunismo se alastrar e tomar conta do mundo é um fantasma que assola as cabeças, tira os sonos, fomenta políticas de ataque e toma conta dos discursos. Apesar disso, convive-se. Com medos de lado a lado, mas convive-se. Restou uma certeza: era necessário destruir o comunismo.
Como se sabe, o tempo é relativo. Então, voltamos no tempo e já estamos no início do século passado. A Itália, como boa parte da Europa, vivia em petição de miséria. Eram necessárias medidas radicais para colocar a nação nos trilhos. Benito Mussolini, político habilidoso, cresceu como uma verdadeira esperança de redenção do povo italiano. Foi a mente brilhante por detrás do fascismo que tinha como principais características a valorização do masculino, a mobilização das massas, a militarização e a defesa de símbolos e cultos.
Não satisfeito em conquistar a Itália, lançou-se na tentativa de conquistar o mundo junto com os nazistas alemães. Como o fracasso da Alemanha, resistiu o que pode. Mas, quando o cerco foi fechado tentou fugir para a Suíça. Mas, foi morto por guerrilheiros italianos que expuseram seu corpo abatido para comprovar ao mundo que o tirano tinha sido dominado.
Mais um salto e nos encontramos em 1948. Na Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher ocorre a outorga às mulheres dos mesmos direitos civis de que dispõem os homens. Pela lei, mulheres e homens são iguais em direitos.
Deixando a era moderna de lado, vamos dar um salto bem grande. Vamos para 500 anos antes da Era Cristã. Escravizar era um direito. Uma ação de guerra. Os escravos eram objetos dos vencedores. Eis que Ciro, rei da Pérsia, declarou a liberdade dos escravos e concedeu os primeiros direitos humanos. Depois disso, várias convenções e acordos foram assinados com o objetivo de garantir aos humanos tratamento humano, por mais redundante que possa parecer.
O tempo passou. As coisas foram mudando em todo o mundo. Chegamos num tempo em que o mundo está pequeno. Há franco domínio da informação, facilidade de comunicação e a tecnologia de ponta. Há situações consolidadas em todo o mundo: prevalência de democracia (ao menos nas nações mais civilizadas), respeito às conquistas histórias que valorizam a individualidade etc e tal.
Mas, com tudo isso, toda esta pauta absolutamente ultrapassada vem à tona neste momento eleitoral brasileiro. E há amigos virtuais e mesmo presenciais que destilam raiva e ódio defendendo o indefensável nas redes sociais. E carregam em suas cabeças o sentimento de que estão fazendo o bem. Que estão trabalhando pela preservação da saúde coletiva e da estabilidade dos bons valores morais.
O panorama me faz lembrar de O Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. É sofrível a cegueira que toma a conta do povo e vai gerando pequenas guerras até chegar ao caos total. É uma aflição atrás da outra. Ninguém é francamente lúcido. O autor, que depois ganharia o Prêmio Nobel, declarou que foi doloroso escrever a obra e que gostaria que fosse dolorosa a leitura. Conseguiu. “Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é necessário termos coragem para o reconhecer", disse Saramago no lançamento da obra.
 Pior do que ler é viver este estado de cegueira que assola boa parte da nação. O pior é que os cegos juram que enxergam e agem como se assim fosse.

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