23/03/2020

O Tempo Dirá


Uma das desculpas mais frequentes está sendo levada à lona. A falta de tempo tem justificado, nos últimos tempos, a mudança significativa no modo de vida das pessoas. Corre-se daqui para lá e de lá para cá num ritmo frequentemente frenético, sem sossego. Assim, valorizam-se as atividades mais lucrativas e mais significativas. Jogar-se na rede por uns minutos, assistir a um filmezinho infantil com o filho, compartilhar e interagir com os familiares pequenos momentos tornou-se supérfluo. Afinal, falta tempo. O trabalho consome, os contatos consomem, os compromissos mais importantes consomem o tempo.

Talvez um dos mais significativos pontos do isolamento social a que fomos submetidos nos dias de hoje, determinado por uma partícula mínima, esteja relacionado à devolução do tempo aos indivíduos. Impedidos de transitar livremente pelas ruas, de fazer o que o dia a dia clamava, fomos todos empurrados para dentro de casa. Não há escapatória. Ou isso ou a irresponsabilidade de colocar a saúde de nossos queridos e queridas em risco ou, ainda pior, contribuir para que o quadro de risco se alastre e outros sejam atingidos pelo nosso ímpeto egoísta.
Claro, nem todos estão seguros. Há milhares de profissionais de saúde, de segurança, da limpeza pública, dos serviços essenciais expondo sua saúde e de familiares em nome do bem comum.
Para aqueles que escondiam-se atrás da carência de tempo o problema virou outro. Há tempo para tudo. Não como se gostaria, não da forma desejada. Mas, de algum modo há tempo. A mudança ocorreu da noite para o dia. Talvez aí esteja uma situação que ainda proporciona algum desconforto. Chamada de onda alarmista por alguns, sabe-se agora que é altamente necessária esta abstinência das ações cotidianas. O hábito forçosamente mudou. Resta adaptar-se e valer-se deste novo tempo.
Opções para usar este tempo multiplicaram-se. A comunicação instantânea realmente está mostrando a sua face mais útil. As famílias, mesmo que por chat, por reunião virtual ou por mero recado no grupo, ganhou mais peso. As visitas tornaram-se mais frequentes. A preocupação com a saúde daquele familiar que não se via há tempos vem sendo demonstrada mesmo que por mensagem. Já é alguma coisa. Nos tempos da falta de tempo nem isso vinha sendo mais possível.
Tudo isso vai passar. Surgirão novas realidades, novos desafios e novas posturas. Se as coisas melhorarão significativamente não há como precisar. Talvez muitos voltem à rotina como se nada tivesse acontecido. Outros, porém, bem que poderão chegar à conclusão que, na realidade, o problema nunca foi a falta de tempo. Nunca houve falta de tempo para os filhos, para a família, para as pequenas coisas. Tudo sempre esteve relacionado às escolhas que cada um vinha fazendo.
Mesmo não gostando de frases feitas, talvez uma delas, antiga, surrada, repetida impensadamente, se aplique aos movimentos futuros. Não sabemos onde isso tudo vai dar: “só o tempo dirá”.

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