23/04/2020

As cenas dos próximos capítulos


Falar sobre o futuro é uma armadilha. Ele é incerto. Depende do que se fez ontem e do que se está fazendo hoje. Então, não é um ser autônomo. E, além disso, é fugidio, pois quando chega já não é mais o futuro e sim o hoje. Ele é sempre o que está por vir. De uma hora para a outra vira o ontem.
Num passado mais ou menos distante, uma das técnicas usadas para garantir a audiência das novelas globais era, ao final de cada exibição, apresentar as cenas dos próximos capítulos. Eram hábeis os editores. Mostravam rápidas cenas, escondendo o essencial. Não existia ainda o spoiler, que veio a ser instituído muito depois, no entanto, havia perspicácia suficiente para garantir que o noveleiro espiasse somente o necessário para manter seu vício.

Não assisto novela há décadas. Nem sei se usam deste artifício. Creio que não, pois os tempos são outros e, hoje em dia, os resumos de novelas estão à disposição nos sites especializados na internet.
De qualquer modo, é instigante, é sedutora esta tendência por saber o que ocorrerá ali na frente. Ainda mais quando praticamente todos os seres humanos tiveram um sobressalto extraordinário diante da necessidade de reduzir, através do isolamento social, o avanço do apressado Coronavírus. Não é necessário ser futurólogo para antecipar que este momento marcará uma geração inteira e concretizará mudanças significativas nas relações sociais, na economia, na política e nas famílias.
O exercício feito por alguns especialistas já adiantam que o mundo não será mais o mesmo a partir do fim da pandemia. Mesmo que as cenas não estejam ainda editadas, alguns já preveem mudanças significativas no modo de vida das pessoas. A escola que, até então, lidava com muita dificuldade com as tecnologias vai obrigatoriamente instituir um maior aproveitamento do ensino à distância. As escolas particulares já vinham se adaptando a isso. Na verdade vinham engatinhando. Agora, diante da necessidade, o processo foi acelerado e não haverá retorno. As escolas públicas, no entanto, hoje paupérrimas em termos de recursos é que devem sofrer as maiores mudanças.
Outra aposta é na valorização das relações, especialmente nos laços familiares. E isto ocorrerá com certa euforia. Uma represada alegria e manifestará diante do encontro, do abraço, do retorno ao almoço dominical, do café da tarde, da pizza compartilhada e das festas de aniversário que passaram em branco nos meses do isolamento. Estas coisas comuns e corriqueiras voltarão a ser valorizadas.
As mudanças não param por aí. Há desafios enormes pela frente. Um deles, talvez um dos maiores, será a questão econômica, especialmente a do desemprego. Se o problema já era crescente no Brasil e em várias partes do planeta(com milhões de pessoas na informalidade e longe dos postos de trabalho), a tendência é de que aumente muito mais. Para os mais pessimistas, o fosso entre os que têm muito e os que pouco têm crescerá ainda mais.
O futuro, como disse, está sendo construído. O planeta já não é mais o mesmo. O breque violento deixará marcas. Algumas delas muito fortes. Outras nem tanto. Resta a torcida para que os nossos possam se reunir ali na frente para contar suas histórias e o que tudo isso significou em termos de aprendizado. Muitas famílias já estão desfalcadas. Sentem hoje na pele a transformação da vida em um mero número estatístico. Que sejamos poupados desse capítulo.

Um comentário:

  1. Pois bem nobre, há quem viva sempre querendo saber as cenas dos próximos capítulos da vida, num ansiedade quase incontrolável. É o medo do incerto. Tens razão, esta pandemia já nos faz exercer a disciplina de viver um dia de cada vez.

    ResponderExcluir