30/12/2010

Presságios para 2011

Existem muitas formas de encarar os fenômenos naturais como este da passagem do ano, do fechamento de uma década. O comportamento dos indivíduos varia conforme sua personalidade, seu momento e mesmo sua necessidade. Há os que são indiferentes, que não prepararão nada, que se distanciarão do ritual de passagem, se esconderão na hora da contagem regressiva, dos pulinhos sobre as ondas, da lentilha no bolso e de tantas outras artimanhas construídas ao longo do tempo por supersticiosos de toda ordem. Há os empolgadíssimos, movidos pela magia da mudança, que apostam em venturas sem trabalho, em resultados mágicos, como a sorte fosse escolhê-los entre todos os outros e, embalados por um cervejão ou por espumante, quando as badaladas anunciarem a chegada de 2011 e da segunda década do século, após todos os rituais possíveis e imagináveis, repetirão a velha canção que animava o fim de ano da Globo nos anos 70: “o tempo passa e com ele caminhamos todos juntos, sem parar, nossos passos pelo chão vão ficar”.

29/12/2010

O tempo voa

O tempo passa. O tempo voa. Dizia uma peça publicitária do banco Bamerindus, de presença marcante nos intervalos comerciais dos anos 80 e 90 na TV brasileira. A instituição financeira foi engolida nos anos 90 pelo processo de quebradeira, venda e fusões do sistema bancário. O bordão, no entanto, permanece vivo. E, mais do que isso, auxilia no entendimento de algo que já foi de difícil compreensão: a relatividade do tempo.
O tempo passa conforme o nosso ritmo. Contemplativos, diante de uma paisagem relaxante, na praia – acompanhando o vai e vem das ondas; no campo – ouvindo o leve deslocar das folhas respondendo à brisa; o tempo, com certeza, passa de uma forma vagarosa. Envolvido em atividades repetitivas, o dia parece pequeno diante do número de atividades que devemos completar. Aí falta tempo.

28/12/2010

Lista de boas intenções para o novo ano

Costume é costume. Inevitável, mesmo para os céticos de toda a ordem, que sejam formuladas listas e mais listas de boas intenções para o ano vindouro. Alguns dos itens são arroz de festa, outros nem tanto. Encontrar um tempo para praticar uma atividade esportiva, aderir a uma causa nobre, economizar, nem que seja alguns trocados por mês, assumir um humor diferente, comprar um carro, pode até ser um usadinho, em bom estado, evidentemente.
O certo é que ninguém escapa da tentação de planejar algumas coisas para o ano que vem. O fechamento de um ciclo e a abertura de um novo nos impulsiona, nos dá coragem para realizar um balanço de nossas vidas. E isto, convenhamos, é muito bom. Raramente temos momentos de análise verdadeira sobre o caminho que estamos trilhando. Poucas são as oportunidades que se apresentam mais adequadas para planejar mudanças. Mais raros, ainda, os momentos em que paramos e chegamos à conclusão de que há mudanças por fazer.

22/12/2010

Os meninos e o tempo

O tempo passa rápido. É o que se diz! Natal, amigo secreto familiar, festa de final de ano, espumante, ceia, fogos de artifício. Verão, Carnaval, início de aulas para a garotada. IPVA, IPTU. Quando se vê, lá se foi o verão, as frutas amadurecidas começam a dar o ar da graça. A brisa dá lugar, lentamente ao frio, que vai aos poucos se tornando mais intenso. Inverno, chuvas e mais chuvas, ventos e mais ventos. Primavera, flores, dias mais longos. O sol aparece com mais decisão, enterrando os finais de tardes sombrios e encasmurrados. Dia da Pátria, do Gaúcho e, num passinho os papais noéis, que pareciam aprisionados, partem desfilando pelas ruas de Gramado e Canela. Invadem a cidade, a tevê, os jornais, tomam de assalto todos os espaços possíveis.

15/12/2010

Papai Noel fuma charuto e bebe Coca-Cola

A figura lendária do Papai Noel ganha, nestes tempos, um destaque extraordinário. Ela ativa em todos pelo menos dois sentimentos o de dar e o de receber. Vocacionado marqueteiro, midiático, o Bom Velhinho é o grande personagem do momento. Sua imagem, porém, foi sendo construída ao longo dos séculos até chegar ao que é hoje, um idoso fora de forma que usa roupas inadequadas ao Sul do Equador.
Conta-se que São Nicolau, bispo católico, é a origem histórica de Noel. Em sua cidade três irmãs em idade de casar, de família pobre e sem condições de oferecer dote, viviam as agruras dos excluídos. As opções seriam a solteirice eterna ou a prostituição. Conhecedor do caso, o Bispo Nicolau rondou a casa e, à noite, jogou três saquinhos de moedas para amenizar a dor do paupérrimo pai. Um deles foi jogado pela lareira e caiu dentro de uma meia colocada estrategicamente para secar. Divulgada a história, difundiu-se na comunidade o hábito de presentear os desafortunados.

O imponderável Mazembe

Goleiro Kidiaba (arte sobre foto)
Um dirigente colorado, com quem convivi durante bom tempo nas coberturas diárias como repórter no Beira-Rio pelo Correio do Povo - lá na distante década de 80 -, quando encontrava-se em dificuldades para explicar problemas que pareciam sem solução se utilizava com frequência da expressão "imponderável". No dicionário o vocábulo é, entre outras coisas, definido como circunstâcia difícil de avaliar, de prever . E esta foi a impressão que me ocorreu no decorrer do jogo entre Inter x  Mazembe, pelo Mundial de Futebol e, especialmente, no final da partida.

12/12/2010

O amigo secreto

Há algumas coisas que não podemos deixar de fazer, mesmo contrariando nossa vontade.  Nesta época então, de Natal e final de ano, crescem sobremaneira estas situações. Uma delas é participar do amigo secreto, amigo oculto, amigo x ou outro nome qualquer que a brincadeira possa receber. Fora de questão está, por exemplo, ser o único a não participar do amigo secreto em nosso local de trabalho. Ficar de fora não é uma boa atitude. 
Já que é inevitável mesmo, alguns cuidados devem ser tomados, especialmente se houver o clássico momento da revelação. Cuidado, muito cuidado na hora de caracterizar o nosso amigo. Atenção, não é hora da desforra! Não é hora de jogar na cara do sujeito aquela verdade que ficou oculta, escondida secretamente em nosso íntimo. Não é de bom tom usar este momento para a vingança, mesmo que lá no íntimo resida a certeza de que o sujeito bem que merecesse.

08/12/2010

A bactéria sutil

A NASA, após pesquisar a sobrevivência de uma bactéria em local desprovido de Oxigênio, Hidrogênio, Fósforo, Carbono, Enxofre e Nitrogênio, anunciou que existe viabilidade de vida fora das formas admitidas pelo conhecimento até então existente. É uma revolução. A partir daí, dizem os especialistas no assunto, os cientistas estão obrigados a mudar seus conceitos sobre a vida. Isto porque a teimosa bactéria, contrariando a lógica até então aceita, se desenvolveu em meio hostil, em contato com o venenoso Arsênico.
A descoberta abriu o leque de discussões. Ora, se depois de tanto tempo um dos princípios basilares do conhecimento foi debelado por uma simples bactéria, tantos outros haverão de cair ao longo do tempo. Aparentemente duros, inquebráveis, irremovíveis como uma rocha, os princípios científicos, como se vê, são tênues. Isto porque o Universo é grandioso, infinito e nosso conhecimento, convenhamos, ainda é rasteiro.

06/12/2010

Viagem pelo universo

O canal de televisão History apresenta uma série onde o astro central é nada menos do que O Universo. Não é pouca coisa. Ainda mais nos tempos atuais onde as nossas preocupações estão relacionadas às tarefas mais instintivas, automáticas e desprovidas de sabor. Manter o trabalho em dia, levar as crianças para a escola, cuidar da pintura da casa, pagar os carnês no final do mês, enfim, tarefas de administração doméstica. Claro que os cuidados com a rotina são indispensáveis. Não devemos, de forma alguma, descuidar sob pena de incomodações futuras.
No entanto, mesmo que mantenhamos literalmente os pés no chão, é indispensável que vez por outra nossas preocupações sejam um pouco mais transcendentais. Afinal de contas, há muito sabemos que existe mais do que a vivência física. Embora a ciência atual esteja tateando o mundo imaterial, os homens primitivos já mostravam, entre as diárias lutas sangrentas para transformar as feras de então em uma apetitosa refeição, que não é só de carne que vive o homem. Foram eles, os seres não-intelectualizados, dotados de grandes doses de instinto, que intuíram a grandiosidade das coisas.

01/12/2010

Um Rio em chamas

O sofrimento dos cariocas, acossados por tiros de todos os lados, pela opressão do tráfico, pela invasão de policiais, começou há pelo menos 40 anos atrás. O Estado de Direito deixou de existir nas zonas mais pobres. O malandro carioca, que viva de pequenos delitos, ingênuo, divertido, sumiu do mapa. É peça de museu. Em seu lugar surgiram outros tipos, nada ingênuos. Dispostos a comandar o pedaço, constituíram um estado próprio, cuja economia se baseou no comércio de drogas.
O estado da marginália governou por muito tempo. Acostumados à impunidade, criaram normas de conduta, tribunais e até mesmo programas sociais. Conveniência política e incompetência administrativa, dizem os especialistas, foram os responsáveis pelo fortalecimento deste governo da delinquência. Teve tempo para tomar corpo, crescer e se tornar indispensável para muitos. Milhares de cidadãos, residentes nestas zonas hoje em conflito, não conhecem outra realidade.

29/11/2010

Os Bons Tempos da Discoteca

Jerri e Solano Reis no comando do som
Os anos 70  e 80 foram musicalmente ricos. Rock, das mais variadas matizes, MPB e Discoteca deram o tom daqueles anos. Algumas das músicas da época marcaram de tal forma que nas festas de hoje aparecem com relativo destaque. Tornou-se comum, também, a promoção de festas específicas, destinadas aos mais maduros. Porém, chama a atenção a presença de inúmeros jovens nestas promoções.
No sábado, no GESB, na Festa Os Bons Tempos da Discoteca a regra se confirmou. Noite quente, um pouco de chuva, luzes e som. The Beatles, Rolling Stones, Madonna, Michael Jackson, Bee Gees, Chic e a turma do rock brazuca dos anos 80 animaram os que lá se encontravam. Foi a última do ano. Ano que vem, quem sabe, teremos outras oportunidades de curtir momentos tão bons.

24/11/2010

A ética em jogo

As rodadas finais do Campeonato Brasileiro têm suscitado alguns questionamentos que vão além do desempenho dos times, dos erros de arbitragem, dos desfalques, da tática empregada pelas equipes. No fechamento de mais uma edição do Brasileirão até a Filosofia entrou em debate. Antes que alguns doutos torçam o nariz, eu explico!
A fórmula da disputa, onde todos jogam contra todos em dois turnos distintos, está possibilitando que as equipes, além de depender de suas próprias forças, fiquem na torcida por algum clube rival. E quando se fala em rivalidade em futebol, o negócio é muito mais sério do que se imagina. Há torcedores que não são meros admiradores dos times. Elegem o futebol como uma religião. Erguem totens e os adornam com as cores do time. Não raro criam-se altares em casa. O time é tudo. É um caso patológico. Uma relação de amor e ódio, de vida e de morte.

17/11/2010

Cheiro de maçã verde


“Quando eu era criança o cheiro de maçã verde era tão forte que tomava conta de toda a casa”, disse a jovem trabalhadora, lembrando, em seguida, que as maçãs de hoje não têm o mesmo cheiro das de então. Certamente não têm, disse, me intrometendo na conversa que mantinham os colegas de trabalho. Disse mais, abusando da atenção que me davam naquele breve instante, as coisas no passado não tinham só mais cheiro, tinham sabor e textura diferentes. E não foram só as coisas que mudaram. Mudamos nós.
E não é para menos.  Com a passagem do tempo mudaram os produtos, a forma de produção, o processo de maturação e outras variáveis. Porém, a mudança maior ocorreu na menina. Quando tinha seus cinco, seis anos de idade, seus sentidos aguçados e atentos, percebiam com nitidez as nuances do perfume exalado pelas frutas, pelas flores. Os doces, os sorvetes, os picolés que ganhava do pai - comprados num armazém, num bolicho ou numa venda-, as iguarias que a mãe, a avó ou uma tia preparavam apresentavam, com certeza, um sabor especial, inigualável e irrecuperável.

12/11/2010

Uma volta ao passado

Os tempos atuais, ditos pós-modernos, passam numa rapidez assustadora. Claro, os dias ainda contam com 24 horas, os minutos continuam com os tradicionais 60 segundos. Porém, apesar desta inalterável realidade, o nosso dia a dia sofreu sim algumas alterações importantes e que devem ser levadas em conta.  Diferente do passado, quando o tempo parecia escorrer tranquilo, temos muita pressa. E a impressão que fica é que não damos conta de todas as tarefas e nem daremos conta no futuro.

11/11/2010

Na condicional

Leonel acordou com uma ideia fixa. O que teria ocorrido se, ao invés de investir suas tardes no futebol, na pelada com os amiguinhos, tivesse estudado um pouco mais? Viajou por um milhão de possibilidades. Talvez tivesse se destacado em Física. Ao invés do minguado salário que agora recebia, talvez agora fosse um conferencista, um funcionário do alto escalão da NASA, alguém assim importante, quem sabe!
Ele gostou do exercício e tomou por esporte a busca de soluções para os problemas de sua vivência sempre a partir da análise criteriosa do intrincado caminho de suas escolhas. Mesmo aquelas que deram certo, como o casamento com Margarida, que o fizera feliz dando uma boa família. Mesmo aí a escolha poderia ter sido outra, concluiu. Afinal, na adolescência ostentava um bom número de possibilidades. A timidez exagerada bem que atrapalhou. Quantas marias, odetes, bernadetes, simones ficaram pelo caminho. A vergonha era tanta que nem um sorriso conseguia expor. Sem sorriso não há Maria, nem Simone que se encante.

01/11/2010

Passado, presente e futuro

Lidar com o passado pode ser uma arte. Há pessoas que vivem o presente e o futuro plenamente, buscando distanciamento das experiências antigas. São mutantes que seguem sua existência vivendo minuto a minuto, hora a hora, dia a dia sem olhar para trás.  É um mecanismo de defesa que blinda o ser de possíveis momentos traumáticos ou desagradáveis. Mas isso é uma exceção. E, na realidade, um problema a ser superado. Em regra, vivemos com a gaveta do nosso passado aberta. Se estiver organizadinha, arrumadinha, tudo bem. O problema é quando ela está bagunçada!

28/10/2010

Um bom voto

Não é raro, no dia das eleições, quando marchamos decididos em direção à seção eleitoral, encontrar alguém que nos deseje um bom voto. Se ele está com algum adereço de candidato ou tem uma vivência partidária conhecida, trata-se de uma mensagem subliminar, no estilo, “um bom voto é eleger o meu candidato”. Ou, ainda, “escolhe bem quem escolhe o candidato que eu prefiro!”.
O certo é que somente muito depois do barulhinho da tecla confirma é que vamos saber se o voto foi bom ou não. Às vezes isto demora meses ou até anos. Aqueles que dão às eleições o valor de uma competição, de uma final de campeonato, de uma corrida de cavalos, que apostam neste ou naquele candidato com o intuito de ganhar um jogo talvez nem ao menos reflitam sobre o complexo ato de votar. Para eles basta a vitória!

21/10/2010

Gre-nal é Gre-nal

Gre-nal (ilustração- Bruno Reis)

O domingo está reservado ao Gre-nal.  Não é um jogo comum. É uma instituição gaúcha, tanto quanto o churrasco, o CTG, o chimarrão e o Teixeirinha.  São mais de 100 anos de história do maior clássico do futebol brasileiro.  Até o momento foram 382 confrontos. O Inter tem 144 vitórias e o Grêmio 120. Foram 118 empates.  A supremacia colorada em números foi conquistada em dois momentos específicos, o Rolo Compressor, na década de 40, e o período pós-Beira-Rio. 
O primeiro jogo entre os dois rivais ocorreu em 1909, no dia 18 de julho, dias depois da fundação do Colorado. A contenda foi assistida por duas mil pessoas. Os gremistas usavam camisas metade azuis e metade brancas e calções pretos. Os colorados tinham a camisa branca com listras vermelhas. Nas cabeças gorros. Foi a maior goleada de todos os tempos. Dez a zero para o Grêmio. O Inter demorou alguns anos para retribuir. Mas, em 1948, os colorados enfiaram sete a zero, ganhando o título de campeão da cidade de Porto Alegre.

A guerra religiosa e a campanha eleitoral


Dilma Rousseff - Aquarela sobre foto

José Serra - Aquarela sobre foto
A guerra religiosa em que se transformou o debate do segundo turno da eleição presidencial é desagradável, dispensável e quase nenhuma contribuição oferece ao esclarecimento e ao convencimento do cidadão. O espaço, que seria destina para a reflexão sobre os grandes temas nacionais, sobre os investimentos futuros, sobre as diferenças entre os projetos dos dois candidatos, tomou outro rumo. O período de propaganda eleitoral transformou-se num cansativo blá-blá-blá de lideranças religiosas.
E não se pense que o rumo escolhido foi involuntário. As lideranças partidárias bem sabem que 25% dos eleitores pertencem a alguma crença mais tradicional, onde a salvação é vista como um presente dado por Deus aos escolhidos. Neste mundo, conforme suas convicções,  há dois povos distintos o povo de Deus e os pecadores, também conhecidos como os ímpios.

14/10/2010

Aos mestres com carinho

As duas postagens abaixo são dedicadas aos professores. Mestres num ofício essencial para o desenvolvimento da sociedade, não encontram o devido respeito que merecem. Os textos lembram algumas figuras históricas da cidade de Osório e região e que fizeram parte da minha vida. Na postagem "A dura tarefa dos mestres" lembro a professora Marieta num reconhecimento aos anos de trabalho dedicados à educação. No ano passado, poucos dias depois de publicada a crônica no Jornal Bons Ventos ela  nos deixou. Comovida, sua filha Sandra, disse-me, entre lágrimas, que sua mãe havia partido feliz. Dentro de sua bolsa, no dia de seu falecimento, os familiares encontraram, entre seus documentos, minha coluna recentemente publicada.
Descansem em paz mestres que já partiram. Tenham certeza que por aqui marcaram muitas vidas!

Betinho, professor de estilo

Betinho (direita), Alemoa e Brito

O Colégio Conceição ainda fazia parte da nossa paisagem. A cidade vivia os anos de chumbo. Era contida em seus costumes e na sua forma. A censura ainda imperava de tal forma que tínhamos a impressão de que até os confessionários das igrejas estavam grampeados.  Na escola todo o cuidado era pouco. Sempre havia a possibilidade de que alguém levasse para fora alguma frase que fosse um atentado à Pátria. Estudávamos OSPB – Organização Social e Política do Brasil. Às vezes as aulas empolgavam tanto quanto um sonífero.
Num dado momento surgiu um professor jovem, cabelos longos, escorregadios, barba por fazer, um jeito de índio, carregando uma inseparável bolsa hippie de couro toda colorida atravessada no corpo. Às vezes mandava mensagens cifradas, falava em liberdade e coisas deste estilo. Juntava só os meninos na aula para falar sobre educação sexual. Só dois ou três se atreviam a fazer perguntas. O resto da turma corava e nenhuma palavra saia de suas gargantas. Em seguida virou ídolo, parceiro, conselheiro e guru.

A dura tarefa dos mestres

Crônica publicada originalmente no Jornal Bons Ventos, em homenagem ao Dia do Professor, em 2009.


A tarefa do educador está historicamente ligada aos mestres gregos. Coube aos sofistas a missão de levar conhecimento às massas. Como a sociedade grega exigia dos cidadãos algum esclarecimento para a tomada de decisões, os sábios, em troca de remuneração, ensinavam as artimanhas da persuasão e da retórica. Neste processo, era incentivada a construção de um discurso aparentemente consistente, mesmo que formado por premissas falsas. Sócrates e Platão, no entanto, destacaram nos sofistas esta conotação de falsidade. Porém, é inegável, que contribuíram decisivamente para a instituição do processo de educação formal.

12/10/2010

As crianças

Na terça, 12 de outubro, foi o Dia das Crianças. Para muitos foi um verdadeiro Natal antecipado, no seu sentido mais mercadológico possível.  Pais e mães correndo para as lojas com o intuito de comprar algum brinquedo ou bem de consumo mais duradouro.
Agradar estas feras não é fácil. A tevê tem nas crianças um público consumidor de grande poder. Eles recebem primeiro os avanços tecnológicos, eles opinam em tudo, querem ser ouvidos em todas as questões da casa. Os pais, que não têm muito tempo para ouvi-los, acabam optando por conjugar os verbos comprar, presentear, ceder e tantos outros verbos  como se isso tivesse o condão de desonerá-los e remediar a falta de convívio.

07/10/2010

Os Caras

Na minha adolescência era comum utilizarmos a expressão “cara”. Era uma gíria que usávamos para cumprimentar os amigos e conhecidos, substituindo o nome do indivíduo. “E aí, cara, como vai?”.  A palavra cara nos desobrigava de saber o nome das pessoas, pois todos os rapazes cabiam naquela expressão. De certa forma havia um estreitamento nas relações, inclusive com aqueles que não conhecíamos muito bem. Era muito fácil dizer: “E aí, cara?!”.
Agora até as meninas usam o cara. Claro que o costume não é o mesmo. Na realidade é uma corrupção do termo Caraca usado para substituir um palavrão muito parecido com carvalho. O uso intenso nasceu dos costumes novelísticos.
Existem caras legais, caras não muito legais, caras corruptos, caras chatos e caras simpáticos. Mas só alguns são “O Cara”. Estes são os destaques da escola de samba, o orador da formatura, o nota dez da turma, o craque do time e o bonitinho da galera.

29/09/2010

As eleições

A realização de eleições nas terras brasileiras é um costume muito antigo. Fazia parte da cultura portuguesa a escolha de governantes das vilas e cidades recém fundadas através do voto direto. A primeira eleição que se tem notícia foi em 1532, quando foram escolhidos os membros do Conselho Municipal da Vila de São Vicente, em São Paulo.
Apesar da predileção por pleitos locais, somente no século XIX é que ocorreu a primeira eleição geral no país. O processo de escolha de representantes do país na Corte de Lisboa durou meses e, devido aos problemas, muitos estados não conseguiram concluir a eleição.

27/09/2010

Um ano sem Mercedes Sosa



Faz um ano que a cantora Mercedes Sosa nos deixou. Foi em 04 de outubro de 2009 que ela partiu. Naquela semana, no Jornal Bons Ventos, publicamos crônica sobre La Negra.


Voz que silencia

Uma grande voz se calou. La Negra, mescla de indígenas e franceses, embalou os sonhos libertários de uma América Latina sitiada pelo coturno e pela baioneta. Foi uma das vozes que se ergueram enquanto o tempo fechava sobre brasileiros, uruguaios, argentinos, chilenos e paraguaios, submetidos a bater continência a gente do naipe de Alfredo Strossner, Juan Maria Bordaberry, Augusto Pinochet e Jorge Videla, que tinham como prática comum fechar a boca dos discordantes. Aos oponentes, ferro e fogo, tortura e morte. Gente sumindo, desaparecendo, deixando mães aflitas chorando na Praça de Maio, expondo fotografias de seus jovens filhos, líderes estudantis, guerrilheiros infantis, comunas e socialistas sonhadores, ou, ainda, gente comum que se viu no front, por acaso, sem saber muito bem onde estavam e o que queriam. Ousaram desafiar irresponsavelmente os defensores da pátria.

22/09/2010

Tiririca e os bobos da corte

O palhaço é uma figura antiga. Acredita-se que sua origem tenha ocorrido há 2500 anos antes de Cristo. Naqueles tempos um artista popular era mantido na corte para entreter o rei. Era conhecido como o Bobo da Corte. É clássica a imagem do soberano entediado mandando o bobo para o calabouço ou para a forca, após uma apresentação sem brilho. Assim, o pescoço do indivíduo dependia do humor do chefe do reino. Rindo o rei, seu pescoço estava a salvo. 
Da corte o bobo foi para o teatro popular. O personagem italiano divertido da Comedia Del Arte, no século XVI, com roupas coloridas, sapatilhas enormes e máscara nada mais é do que o velho bobo da corte customizado. Daí surgiu o palhaço que conhecemos. Todos ganharam com isso. O povo, que teve acesso ao direito de sorrir como um rei e o bobo, que garantiu a incolumidade do seu corpo, mesmo diante de uma atuação displicente.

A primavera de Dionísio

Eis que a primavera voltou. E já não era sem tempo. Frio, chuva, ciclone, e destruição foram alguns dos termos constantemente utilizados no inverno que castigou o Sul do Brasil. Casas destelhadas, veículos levados pela força das águas, desmoronamento de estradas, vidas ceifadas. As cenas, que à vezes parecem adstritas aos filmes americanos, foram, para muitos gaúchos, catarinenses, paranaenses e paulistas, parte da vida real. Lá se foi o inverno, rigoroso como nunca. 
A primavera que se inicia tem um significado de renascimento, de ressurgimento. Na mitologia grega, Dionísio, é o deus do vinho e da vegetação. Foi ele quem ensinou os homens o cultivo da videira e a transformação da uva em vinho. Inebriados pelo vinho, seus seguidores se excediam no culto, atingindo a êxtase em celebrações que terminavam em orgias. Entre os romanos era Baco.

15/09/2010

Felicidade butanesa

O Butão é um pequeno e pobre país, prensado entre a China e a Índia. Tem pouco mais de 650 mil habitantes, seu sistema de governo é a monarquia constitucional. É, também, conhecido como o Reino da Felicidade, a última Shangrilá. Segundo dizem, não há casos de fome, analfabetismo, corrupção e mendicância.
O curioso na administração butanesa é a substituição do PIB – Produto Interno Bruto por outro índice: o FIB – Felicidade Interna Bruta. Felicidade, como se vê, é levada a sério no Butão. É preocupação governamental. Tanto que cabe ao Estado desenvolver políticas públicas que dêem condições aos cidadãos se concentrarem na busca da felicidade, através dos ensinamentos do Budismo. São quatro os pilares básicos do Estado, preservação das tradições butanesas e do ambiente natural, crescimento econômico e bom governo.
Os orientais são sábios. Certamente imaginaram que de nada adianta o acúmulo de riquezas se o povo em si não é feliz. Mesmo que não se saiba se a iniciativa, implementada há décadas, tenha mudado alguma coisa no humor dos butaneses, a ideia é, no mínimo, uma valorização da luta humana por um bem que se coloca sempre longe do alcance das pessoas. Por aqui uma proposta destas seria ridicularizada. Não prosperaria!
Para as estatísticas, gente, pessoa, povo é número. Indivíduo é consumidor, cliente. Funcionário é colaborador. Os eufemismos despersonalizam o ser. Tornamos-nos índices. Sem nome. Quem quer saber de nossas emoções? Se somos felizes ou não? O mercado, certamente não!
A palavra felicidade só aparece no meio dos rápidos pronunciamentos dos candidatos, nesta época de campanha eletrônica. Daí não sairá. Ficará restrita à promessa. Não seguirá carreira, não será promovida a integrante de projeto governamental. Uma pena, mesmo!


Atualizado em 23.03.2012
Fico feliz em ver que o exemplo dos orientais está fazendo escola. A preocupação em medir o grau de felicidade do povo parece que será também uma realidade no Brasil. Tomara que isto realmente saia do papel e seja um instrumento sério e não mais uma propaganda dos governantes.

Veja a notícia na íntegra:
Estadão





13/09/2010

Sentimento pátrio

El gaucho cantor, Leon Pallière*
O Rio Grande é uma pátria. Constitucionalmente não pode, moralmente não deve e na prática nem precisa buscar qualquer separação do Brasil. O Rio Grande é sui generis.  Possui uma história rica, um povo nem tão rico assim e uma cultura peculiar. É dos estados brasileiros talvez aquele onde o sentimento pátrio seja mais presente. 
A história gaúcha contada a partir das ações espetaculosas é verdadeira epopeia. Daquelas tão ao gosto dos historiadores antigos, com atos de bravura, de doação, de sangue e sacrifícios. O homem e seu cavalo, como um só ser, livres, marchando em direção ao perigo, enfrentando tormentas, desbravando os confins, enfrentando inimigos, por vezes os espetando mortalmente com suas lanças.

11/09/2010

O gosto pela polêmica

Em qualquer grupamento humano sempre tem alguém que é caracterizado como “O Polêmico”.  Às vezes, quando tudo parece estar certinho, combinado, resolvido, sem grande contrariedade, aparece O Polêmico. Quem é este personagem, tão conhecido de todos nós e, ao mesmo tempo, tão desconhecido, carente de estudos, de teses e, também, de compreensão. 
Sabemos muito bem o que é uma polêmica. É uma situação de contrariedade, de controvérsia, uma disputa acalorada, mas sempre num tom cordato, não violento. O Polêmico, por sua vez, é um ser que busca a defesa intransigente de suas posições, mesmo quando está em aparente desvantagem. Tem uma característica toda peculiar: não escolhe campo de batalha. Basta que surja a oportunidade e lá está O Polêmico, dando o ar da sua presença. Às vezes O Polêmico consegue engrossar seu time, cooptando os menos convictos.

Ilusão de ótica


As pessoas possuem uma visão particular das coisas.  Um jogo de futebol, assistido por 50 mil pessoas, poderá contar até com 50 mil interpretações diferentes. Assim, uma só realidade pode dar origem a uma infinidade de interpretações. As experiências de cada um, a expectativa do resultado, o engajamento do torcedor, a sua emoção no momento são fatores que podem influenciar na conclusão sobre os fatos que se desenrolam no campo de jogo. 
Eu mesmo já assisti a um jogo de final de Brasileirão na torcida adversária. Ali, menti descaradamente. Era uma questão de sobrevivência. Quando meu time atacava, era só silêncio. Quando o adversário pegava a bola todos a meu lado se levantavam. Eu, claro, levantava junto. Fazia de conta que sofria. Segurei o grito de gol na garganta. Vaiei, sem muito ânimo. Vibrei, sem entusiasmo. Felizmente o jogo terminou empatado. Somente pude ser verdadeiro bem longe do estádio.

08/09/2010

O choro


Homem não chora, dizia nossa mãe. No alto dos nossos cinco, seis, dez anos, não entendíamos o significado disso. Por certo, boa parte dos homens que aí estão afogou a dor, matou-a no peito, segurou a lágrima para não contrariar a sabedoria materna.  E, quem sabe, se comportam assim até hoje.
Raimundo Fagner, compositor cearense, com sua voz estridente, diz exatamente o contrário quando analisa o homem diante de uma das situações mais aflitivas pela qual eventualmente pode passar: o desemprego. Na canção Guerreiro Menino defende que  “um homem também chora, menina, morena, também deseja colo, palavras amenas, precisa de carinho, precisa de ternura, precisa de um abraço da própria candura”.
O choro é a manifestação mais infantil do homem. Ele reduz o homem feito, a mulher dona de si, àquela criança assustada diante do medo e da dor. Talvez por isso, especialmente os homens, tenham dificuldade em extravasar seus sentimentos e contenham a lágrima diante do sofrimento. Admitiria aí sua fraqueza. E fraco ninguém quer ser.

02/09/2010

Pátria Amada

O mês de setembro é o mês da Pátria. Repetimos isso, participamos das comemorações, exaltamos, homenageamos. No entanto, não nos permitimos pensar a respeito do que é esta Pátria Amada, qual a origem deste sentimento pátrio, o seu significado e sua validade. Nós, gaúchos, então, temos dobradas comemorações, eis que aqui se nutre um sentimento duplamente patriótico pelo culto ao Brasil e, em especial, pelo Rio Grande.
Entre os povos antigos, a pátria significava a terra dos pais. Entendia-se que a pátria de cada homem era a porção de terra ocupada pelos ossos dos antepassados, onde, acreditava-se jazia também uma alma. Este solo era sagrado, tanto que lhe rendiam homenagens, com o acendimento de um fogo que jamais poderia ser negligenciado sob pena de revolta dos espíritos esquecidos, que movidos por vingança causariam  alguns estragos, como desgraças familiares, quebra de safras agrícolas e mortes de animais, entre outros. 

31/08/2010

O desgosto e a boa nova

Todo homem sofre influência. Mesmo o mais autônomo, mais intelectualizado, mais seguro pode ceder às pressões do meio.  Sendo um ser social, o homem se relaciona com outras pessoas desde o nascimento, quando ainda é totalmente dependente dos cuidados dos genitores. Ao longo do tempo o raio de influências vai aumentando, na medida em que aumenta o círculo de convivência. Escola, amigos, escolinha de futebol, aniversários, festinhas e por ai vai. 
Nesta caminhada vamos agregando conhecimentos. Deixamos, aos poucos, o aconchego do lar, da vigilância dos olhos dos nossos pais, e vamos desbravando, descobrindo os pequenos mistérios que o mundo parece nos esconder. Mesmo que o nosso caminho seja percorrido a passos largos, aquelas primeiras impressões que temos de mundo, adquirida na convivência familiar, tendem a se fixar na memória de tal forma que vez por outra reaparecem com força.

27/08/2010

O drama da jubarte

O drama da baleia jubarte, encalhada em Capão da Canoa, foi assunto de dias. Apesar dos esforços dos técnicos e da enorme torcida, o cetáceo, após penoso trabalho de remoção do banco de areia, insistia em encalhar novamente. Foram dias de agonia, uma desesperada briga para salvar o animal. Por fim, a realidade. Acometida de uma doença, a baleia queria mais era o descanso, um cantinho para estacionar e morrer.
Comovente também tem sido a luta do tricolor gaúcho. Tal qual a jubarte, encontra-se encalhado numa zona rasa e de lá teima em não sair. A luta é penosa. Às vezes parece que a maré finalmente subirá e que logo, logo, ganhará o oceano. Porém, advém nova maré baixa e a tentativa e o esforço mostram-se vãos. Sucedem-se os erros. A desorientação, o desatino, talvez determinados pela vontade excessiva, vai maneando os jogadores de tal forma que as soluções não vêm.

26/08/2010

Quer um conselho?

“Quer um conselho? Se eu fosse você faria da seguinte forma”... Quem nunca ouviu ou disse as expressões precedentes? Quem, do alto de sua sabedoria, não se arvorou no direito de sugerir, de dar um rumo a quem, em determinado momento, se encontrou à deriva? Às vezes, diante da incerteza de alguém, pode até coçar o desejo de mostrar aquilo que ele não está vendo. 
No fundo, ninguém resiste à ideia de auxiliar, de ajudar. É a solidariedade humana em ação. É a própria caridade pedindo passagem. Porém há um detalhe que faz toda a diferença. Nem todo mundo que pede uma luz está mesmo disposto a encarar o caminho indicado por outro. Além disso, não há nenhuma garantia de que a solução defendida pelo conselheiro efetivamente vá gerar a solução mais apropriada.

19/08/2010

O inimigo silencioso

Édson Cardoso
O psiquiatra Édson Cardoso, no sábado passado, em palestra na Câmara de Vereadores de Osório, alertou para um problema social que pode passar despercebido. Ao abordar a dependência química, centrou sua análise na ação destrutiva de uma das drogas mais consumidas na atualidade. Destacou a forma silenciosa como o consumo reiterado de álcool se transforma em uma grave doença, causando uma série de desconfortos ao dependente e à família.
Como é uma droga socialmente aceita, o álcool vai aos poucos ganhando importância na vida das pessoas. Usado como forma de soltar o indivíduo, de facilitar o contato entre as pessoas, como elemento agregador, ao longo do tempo vai se constituindo num inimigo implacável.  Este processo é construído lentamente. O álcool, que entra para embalar a festa, perde o seu aspecto alegre, sua função pode mudar radicalmente ao longo do tempo, tornando-se um inimigo poderoso, pois pode tomar as rédeas da vida humana. O homem, dependente, vai perdendo o controle e começa a dedicar mais e mais tempo ao vício.  Sem notar, o indivíduo perde a autonomia e se desfaz de coisas que até então eram importantes, como o trabalho, a família e a boa convivência.

04/08/2010

Pais e filhos

Nos primórdios não existia uma família. O homem vivia em bandos. Era uma massa de gente, identificada pelo instinto, que se movia para lá e para cá, fugindo de feras, buscando permanentemente locais com abundância de alimentação, água e temperaturas mais amenas. Permaneciam juntos por necessidade. Era mais fácil vencer as feras em grupo. Talvez tenha surgido daí a expressão a união faz a força. 
Um pouco mais polido, milhares de anos depois, os grupos foram se tornando menores. Possivelmente as feras já haviam sido dominadas e o clima de excursão pode ter perdido a graça. Outra opção pode ser a intuição de algum incipiente gênio da época: grupos menores, menores necessidades, menos trabalho, mais lazer. Sei lá! Quem sabe não foi aí que surgiram as primeiras regras da economia doméstica.

29/07/2010

O mundo dos cães

A noite fria recém estava começando. Na tevê, o Datena esbravejava, como sempre. Tinha nas mãos mais um caso macabro. A mulher, uma trintona, havia ordenado a morte do companheiro, um septuagenário endinheirado. Queria ficar com trinta mil e mais alguns pertences. Pagou oitenta reais para dois malucos fazerem o serviço. E eles toparam. A câmera focava a foto da mulher, voltava para o apresentador gritão, mostrava o delegado, que se vangloriava do trabalho da investigação, freneticamente cortava para os dois matadores saindo do camburão.
Desgraça pouca é bobagem. A equipe de reportagem mostrava até o flagrante do encontro do corpo do homem. Peritos com providenciais luvas cirúrgicas afastavam o mato para receber mais um corpo vilipendiado. Sistematicamente abriam espaço para que a imagem pudesse ser captada e bem enquadrada na tevê. Música irritante de fundo, impropérios em direção à mulher. Embaixo da tela, numa barra rolante, os atentos telespectadores de todo o país disparavam torpedos contendo seus conceitos raivosos: “prisão perpétua”, “pena de morte”. Vagabunda, repetia o âncora do programa. “Mostra na tela a safada”.

23/07/2010

O frio e as bergamotas

Tempos difíceis. Muita chuva, frio irresistível. Casacos, mantas, gorros, luvas. Nada disso tem sido suficiente para aplacar a vontade destrutiva deste gelume invernal. Na terça-feira, porém, o sol voltou a se mostrar. Dia especial para levar as roupas enchovalhadas para o varal. As toalhas até então amontoadas na frente de alguma estufa, numa atitude desesperada de forçar a secagem, viveram um dia de glória. Sol, muito sol. Quanta falta fazes nestes dias escuros, sombrios e tristes de inverno.
Há estudos que indicam que os sentimentos humanos são atingidos pela quantidade de luminosidade. Assim, nestes tempos de inverno áspero, rigoroso, as pessoas mais suscetíveis à tristeza, à melancolia, se retraem. O inverso é verdadeiro. A incidência de raios solares, segundo os estudiosos, faz com que todos se sintam mais felizes diante das altas temperaturas, pois a exposição à luz do sol estimula a produção de serotonina, dopamina e melatonina, três substâncias responsáveis por trazerem bom humor, energia e regulação do ciclo do sono.

19/07/2010

Amizade real e virtual

Nos anos 70, Roberto Carlos, já chamado de rei, a plenos pulmões cantava insistentemente no rádio uma canção onde projetava um objetivo: ter um milhão de amigos para poder cantar mais forte. A música, chamada Eu quero apenas, lançada em 1974, conclamava a todos pela união em torno da paz, da construção de um mundo melhor para todos nós e para as gerações futuras. 
O anseio do Rei talvez seja o anseio de todos nós. Contar com os amigos sinceros, convivendo em harmonia, sonhando juntos, trabalhando por um futuro diferente. No entanto, nos momentos atuais, parece que o desejo vai ficando cada vez mais na seara do sonho, do irrealizável.

15/07/2010

Sucesso e fracasso

A história do goleiro Bruno, do Flamengo, é um verdadeiro samba do crioulo doido. É tão fantástica, tão inacreditável, que se assemelha aos roteiros das piores novelas mexicanas ou, ainda, aos filmes de fundo de quintal. É uma sucessão tal de amores, ódios, traições, sacanagens, cumplicidade, sentimentos levados ao extremo que resultaram numa verdadeira tragédia humana, lembrando os folhetins tão ao gosto do SBT.
Ironicamente o caso foi sendo revelado pela mídia a conta-gotas. Cada dia um capítulo mais surpreendente, mesmo para quem, como eu, não costuma acompanhar estes fatos com muita atenção. As revelações da trama seguiram as artimanhas dos novelistas. Os personagens foram sendo inseridos lentamente na história, conforme a investigação policial avançava.
O atleta e seus comparsas, talvez crendo na impunidade que parece rondar os poderosos, se meteram a resolver o problema ao seu jeito. Não mediram as conseqüências, foram desastrados do início ao fim. Com o orçamento disponível protagonizaram uma obra de péssima qualidade.

11/07/2010

Sonhos e pesadelos de um herói

Sonhamos ser heróis. É um sentimento de menino. O mundo precisando de nossos talentos, nos chamando, pedindo socorro e nós, pelo bem geral, agindo com energia. Aplausos, agradecimentos. “O que seria de nós se nosso herói não estivesse nos cuidando!”.
Heróis de capa e espada, de artifícios mil, dotados de força, de superforça capaz de congelar o tempo, de modificar o passado, de devolver aos justos o que lhes cabe neste latifúndio, de encarcerar o mau.
Os meninos podem sonhar. Hoje heróis, amanhã homens comuns. O herói fica escondido, esperando a hora propícia para entrar em ação. Muitos não encontrarão uma só oportunidade em toda a existência.
Passado o choque da desclassificação, que parecia impossível no intervalo do jogo contra a Holanda, vejo que o treinador Dunga tenha acreditado no sonho do menino. Foi chamado em meio a um tumulto, a um caos. Ninguém queria jogar na seleção. Os clubes europeus mandavam e desmandavam, não respeitando as convocações. Jogadores simulavam lesões para não se integrarem ao elenco. Era uma tarefa para o Super Dunga.

01/07/2010

As grandes decisões

Há pessoas que passam por aqui como se a vida fosse um mar de tranquilidade. Mesmo diante de uma tormenta agem como se os raios e os trovões fossem coisa normal. Outras há que desabam diante de qualquer nuvem escura que apareça no horizonte. Tornam-se religiosas, apelando para todos os santos, diante de uma mera chuva.
Os seres humanos são distintos. Agem diferentemente diante dos estímulos que lhes são apresentados. Nestes tempos de disputas esportivas, atletas, treinadores, árbitros e torcedores estão envoltos em emoções únicas. Para o jogador uma batida desajeitada na bola, uma desatenção momentânea, um erro de cálculo podem significar a frustração de um sonho pessoal, de um grupo ou de uma multidão de apaixonados pelo futebol. 
Tem sido comum após as partidas o flagrante do choro convulsivo dos derrotados e até mesmo dos vencedores. Por motivos distintos, é claro! No caso dos perdedores, suados, extenuados pelo esforço quase hercúleo e ineficaz, corpos de gigantes deixam-se cair no solo, em câmera lenta, ao gosto dos novos padrões estéticos de transmissão esportiva. Ali permanecem durante longos segundos, como se mortos insepultos num campo de batalha. Corte na imagem... De outro lado, agitação, vibração, alegria. Estamos vivos!

28/06/2010

Lembrando Michael Jackson

Completou, dia 25 , um ano da morte de Michael Jackson. Se nos últimos dias de sua existência o que mais se falava era dos escândalos que o perseguiam, após sua passagem o que mais se valoriza é o talento ímpar do Rei do Rock. A crônica a seguir foi publicada no Jornal Bons Ventos dias após a sua morte.

A morte e a eternidade

Morre Michael Jackson. Começa uma nova história. Por algum tempo, porém, seu nome ainda será marcado pela série infindável de antimarketing que o acompanhou nos anos de caos. Os escândalos, os vexames públicos, as incompreensões, as manias, as loucuras vão aos poucos se esvaindo, deixando uma pequena nuvem, que vai desaparecer por completo ali na frente.
Esta tendência do esquecimento do lado sombrio e negativo não é nova. Ela remonta ao princípio da civilização. Naquele tempo, antes mesmo de romanos e gregos semearem suas culturas por todos os rincões, os mortos eram criaturas sagradas e recebiam, obrigatoriamente, todos os cuidados da família para que a sua memória não fosse esquecida.
O culto aos mortos foi a primeira manifestação religiosa que se conheceu. É encontrado entre os latinos, os helenos, os sabinos, etruscos e mesmo nos primórdios da cultura greco-romana. As ações positivas ou negativas, morais ou imorais, não determinavam a santidade. Todos os mortos, independente de seu estágio evolutivo, de seu caráter, de sua obra, eram criaturas sagradas.

A feijoada

Conta a lenda, que nos chega até os dias de hoje, de que foi por um acidente que surgiu o prato nacional: a feijoada. Dizem que os escravos das fazendas de café, das minas de ouro e dos engenhos de açúcar recebiam de seus senhores os restos dos porcos carneados para consumo da casa grande. A parte nobre ficava com os senhores e a menos nobre, composta rabo, orelhas, patas, pele e um pouco do excesso da gordura era atirada aos famintos escravos, que ferviam tudo com água e feijão.
Confesso que por anos até me deixei iludir por esta fábula tupiniquim. Talvez quisesse, lá no íntimo, homenagear aqueles homens brutos, nossos antepassados, que exploravam sem dó nem piedade outros homens, que de diferentes ostentavam somente a origem e a cor da pele. Mas que, num gesto de desapego, de consideração, se desfaziam do excesso, doando para os desafortunados. Talvez, ainda, quisesse acreditar na criação acidental para homenagear os doídos escravos, privados da liberdade, da dignidade, de seus costumes e de suas famílias, mas, ainda assim, criativos ao ponto de com a soma de alguns restos gerarem um dos orgulhos da nação.

Revisitando os anos 80

Os tempos atuais, ditos pós-modernos, passam numa rapidez assustadora. Claro, os dias ainda contam com 24 horas, os minutos continuam com os tradicionais 60 segundos. Porém, apesar desta inalterável realidade, o nosso dia a dia sofreu sim algumas alterações importantes e que devem ser levadas em conta. Diferente do passado, quando o tempo parecia escorrer tranquilo, temos muita pressa. E a impressão que fica é que não damos conta de todas as tarefas e nem daremos conta no futuro.
Há movimentos, ainda tímidos, pelo mundo afora, pregando a necessidade de frearmos um pouco o nosso ímpeto pós-moderno. Dizem que, para o bem de nossa saúde física, mental e espiritual, podemos agir com maior vagar, com mais tranquilidade. Os estudiosos do comportamento humano, os antropólogos, os psicólogos, psiquiatras e outros experts afirmam que hoje agimos quase no automático. Estamos imersos em responsabilidades, resolvendo questões comezinhas, questiúnculas diversas sem notar a passagem do tempo.

23/06/2010

Os caminhos da droga

O uso das drogas iniciou num passado muito distante. O espírito explorador do homem primitivo, em contato permanente com a natureza, descobriu o efeito de determinadas plantas no organismo. Seus corpos ficavam leves, o espírito viajava. O homem acreditava que longe do corpo estava perto de Deus. A droga foi associada, então, à presença das divindades.
Num momento seguinte, já distante do componente religioso, as drogas passaram a ser utilizadas como medicamentos. Cocaína, heroína, maconha, entre outros, eram receitados por médicos para combater doenças. O Laboratório Bayer (se é Bayer é bom!) mantinha em seu catálogo o frasco de heroína, indicada para combater a tosse das crianças.
O Vinho Mariani, por sua vez, era feito de coca. Tinha como grande apreciador o Papa Leão XIII, que premiou o seu criador, Angelo Mariani, com uma medalha de ouro. Se a criança recém nascida era muito chorona, a indicação era ministrar algumas gotas de ópio. “Dose – [Para crianças com] cinco dias, 3 gotas. Duas semanas, 8 gotas. Cinco anos, 25 gotas. Adultos, uma colher cheia”, indicava o frasco do produto, que contava com 46% de álcool.

13/06/2010

O cavalo do padeiro

Não faz muito tempo, em muitas cidades havia o costume da entrega do pão de cada dia ser feita por uma carroça. O dito veículo, tracionado por um cavalo, transitava pelas ruas e parava de armazém em armazém, de venda em venda, de bolicho em bolicho. Na frente do estabelecimento o entregador deixava uma cesta de vime contendo os pães que seriam vendidos pelo comerciante durante o dia.
O trabalho era estafante. A entrega ocorria antes de o sol nascer. Assim, o entregador e o cavalo se mexiam cedinho. Como ninguém é de ferro, no fim da jornada ambos encontravam-se cansados. Nas últimas entregas, enquanto o animal troteava, o entregador cochilava. Quando a carroça parava, o entregador pulava para deixar a carga de pães. O cavalo, por sua vez, aproveitava estes breves minutos para dar uma cochilada. Dizem que, ainda dormindo, iniciava uma nova marcha.
Por vezes somos como o cavalo do padeiro. Acostumados com o trecho percorrido no dia a dia, anestesiados pelo tédio, pelo automatismo, seguimos agindo no instinto. Talvez seja isto que estamos fazendo com o meio que nos cerca.
Mas, nem sempre foi assim, Lá no início, quando ainda tínhamos certo temor, um respeito reverencial para com as forças da natureza, quando o trecho ainda era desconhecido, mantínhamos os olhos bem abertos, temerosos de algum tropeço. Tão logo decoramos o trajeto, dominamos os mistérios, vencemos os temores, nos sentimos liberados para abusar da sorte.

01/06/2010

Os homens invisíveis

O Homem Invisível, uma série de tevê baseada na obra do escritor H. G. Wells, apresentada nos EUA e no Brasil nos anos 70, mostrava as aventuras de um cientista Daniel Westin que descobriu a invisibilidade. Sabendo que o governo americano tinha planos de usar seu invento, destrói a máquina e memoriza a fórmula. Um amigo seu cria uma máscara igual ao seu rosto e Daniel pode voltar a viver entre os normais, não abrindo mão da invisibilidade, quando necessária.
A ficção científica , se sabe, é uma das formas de antecipação do futuro. Chegará o dia em que a invisibilidade, tal qual concebida pelo dr. Westin, será possível. Certamente aperfeiçoada, sem o inconveniente do uso de uma máscara para a volta à normalidade.
O psicólogo social brasileiro Fernando Braga da Costa entende que já há no Brasil casos de invisibilidade. No entanto, ela não ocorre nos mesmos moldes da literatura e da minissérie. Conforme seus estudos, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.

20/05/2010

Os dramas do escrete canarinho

A última semana foi marcada pela dramaticidade. Dunga foi a figura central de norte a sul deste Brasil varonil. Tão logo anunciada sua lista dos 23 gladiadores que defenderão o selecionado canarinho nas arenas da África do Sul, centenas de comunidades foram criadas na internet, bate-papos se encheram de expressões chulas, sempre com o objetivo de destacar a insensatez, a torpeza e a desfaçatez do comandante da seleção nacional.
Os mais exaltados propunham a incineração do capitão da nau verde e amarela. Sob o mantra “sem Neymar é impossível ganhar”, “sem ganso não haverá avanço”, a turma protestou pesado. Não adiantaram as explicações do comandante que falou sobre comprometimento, doação, atitude patriótica e outros quesitos, aliás, bem fora de moda nos dias de hoje. O drama se arrasta de tal forma que já há inúmeras correntes de torcedores e jornalistas torcendo para que a seleção naufrague de maneira espetaculosa para, depois do barco soberanamente submerso, dizer: “eu não disse, faltou o talento do Neymar, do Ganso”.

Insafisfações nossas de cada dia

Somos bem mais de seis bilhões de seres viventes no nosso planeta. Todos diferentes entre si. Diante disso podemos afirmar, sem medo de errar: não há ninguém que pense exatamente o que penso, que aja exatamente como eu ajo, que sinta exatamente o que eu sinto em toda a Terra.
Há gente de todo o tipo, de todos os estilos, com costumes diversos e seguindo caminhos distintos. Há humildes e afortunados. Há medianos, medíocres, geniais, boçais. Há homens e mulheres bons, sensíveis, caridosos. Há indivíduos que parecem curtidos na senda da maldade.
Há gente humilde, que lida com dificuldade, que corre atrás dos trocados para a conta da água e da luz, que luta freneticamente pelo pão de cada dia, que se dedica com honestidade pela sobrevivência familiar. E, no final do dia, consegue descansar em paz.