24/05/2012

O valor do silêncio

Nosso tempo é do barulho. Se ainda não notou vá até a frente da sua casa ou na sacada de seu apartamento, feche os olhos por dois ou três minutos e contem a infinidade de sons advindos das mais diversas fontes. Os automóveis contribuem para boa parte dos ruídos, a betoneira na construção próxima também. A algazarra das crianças no recreio da escola é hors concours. É um verdadeiro mistério da criação. Como seres tão pequenos conseguem emitir sons tão elevados?
O silêncio é coisa rara. Nestes tempos de frenesi, de correria, de incansável busca pela instantaneidade, a falta de barulho é mesmo vista como negação da vida. O silêncio é o fim. A vida é barulhenta. Esta premissa, no entanto, carece de verdade. É falso crer que no silêncio há inatividade. Pelo contrário, há no silêncio infinitas possibilidades de crescimento para os seres que pensam.
O silêncio é importante componente cultural. Nas sociedades iniciáticas o silêncio é considerado indispensável para que o conhecimento permaneça entre aqueles que foram admitidos nas suas fileiras. É uma herança do costume empregado pelos grandes magos e sacerdotes egípcios que exigiam o silêncio absoluto para que os aprendizes descobrissem a meditação. Buda também valorizava o silêncio como forma de contemplação.

17/05/2012

O homem de bem

Não é nenhuma novidade que os tempos são outros. Nas duas décadas que se passaram a Terra cresceu em informação. O mundo todo em só clique. Liberdade de informação a todos, indistintamente. “Dê-me um mouse e eu desbravarei o mundo”, diria hoje com razão o matemático Arquimedes. Imaginava-se que, diante desta tal liberdade, os costumes mais arraigados e menos construtivos sofreriam um grande baque.
Que nada! Não obstante o acesso e o amplo domínio da linguagem das mídias pós-modernas pela meninada resiste ainda entre estes mesmos jovens o ranço do preconceito. Não há coisa mais antiquada do que discriminar o outro. Cenas execráveis as protagonizadas pelos meninos e meninas que de celulares em punho acompanham a selvageria cometida por grupos contra colegas. Vez por outra os lamentáveis espetáculos produzidos nos corredores de escolas ou na saída das aulas tornam-se virais nas redes sociais. O que se vê? Jovens de tenra idade saciando sua sede. A violência estudantil, que não é coisa de hoje, é a reprodução do mundo intolerante que vivemos.

09/05/2012

Paciência de mãe

Minha mãe tinha muita paciência. O dia já havia se despedido a horas. No céu a lua mostrava-se brilhante. A bola, murcha, disforme, velha, ainda assim era perseguida pelo que restou da turma. Quatro ou cinco já haviam abandonado a peleia. Obedientes, sucumbiram aos primeiros chamados de suas mães.
Eu não. Era teimoso. Fome de bola. Não que fosse um filho desobediente. Era, isso sim, um moleque acometido de raro caso de surdez que durava enquanto a bola rolava pelo campinho ralo, cheio de tocos, irregular. Ali era o Maracanã. Na verdade, era uma tira de terra, espremida entre as casas e uma malha de eucaliptos. A goleira era de um passo, com as velhas havainas fazendo papel de poste.
As contendas diárias após a aula seguiam até a luz do dia esmaecer. Tentávamos acertar o que parecia ser uma bola de futebol. Minha mãe, vez que outra, apontava na janela gritando meu nome. Às vezes, entre um chamado e outro, uma verdadeira batalha se estabelecia. Tinha pressa de fazer mais um gol, mais pressa ainda tinha de deter os ferozes atacantes que se lançavam como um bando de guerreiros contra o meu território. Queriam a vitória a todo custo. Sentia-me ungido quando evitava o desastre. Acabado quando não reunia forças para impedi-los. Neste contexto, sempre parecia que um segundo a mais seria decisivo para definir aquela guerra. Era caso de vida e morte. Minha mãe entendia e tinha paciência, muita paciência.
Em casa, após as lutas homéricas no Maracanã, reunia o que sobrava de forças para um rápido banho e para um café com bolo frito. O corpo, ainda cansado, adormecia sem piedade. Acordar somente após três, quatro chamados. Muitas vezes somente após ser providencialmente sacudido pela minha mãe. Ocorre que as batalhas do campo do dia seguinte tinham sequência na noite. Nos sonhos defendia e atacava os territórios inimigos. Fazia gols e salvava milagrosamente o time. Vivia com fome. Com fome de bola. Minha mãe entendia. Ela tinha muita paciência.

08/05/2012

Uma boa conversa

O ano é de eleições. Prefeituras e Câmaras tendem a ganhar novas caras. O momento é de lançar as figurinhas. Até as convenções não há candidaturas postas. Somente postulantes. Agora, neste período que antecede a campanha propriamente dita, é a hora dos arranjos, dos acertos, da formulação de propostas para fechar os acordos partidários.
O bolo ainda não está pronto. Nem no forno está. Sobre a mesa ainda estão os ingredientes: farinha, fermento, ovo, açúcar, uma pitada de sal, leite ou suco. Alguns utensílios já estão postos, aguardando o início do processo. O bolo está ainda por ser feito. Mas o seu projeto já está sendo servido. Suas fatias virtuais, com certeza, já estão sendo milimetricamente cortadas nos encontros das cúpulas partidárias. Cada grupelho leva tantas fatias conforme sua pretensa densidade eleitoral ou conforme sua fome de poder. Máquina de calcular é indispensável sobre a mesa das negociações. Ah, e levantamentos eleitorais dos pleitos que se passaram.