06/05/2014

Paus e pedras

A "justiça" primitiva era imposta
 pela força 
Dia desses circulava pela internet imagens de um rapaz que foi amarrado a um poste. Segundo consta era um ladrão. Antes de ser amarrado ele foi brutalmente agredido por populares e teve parte de sua orelha arrancada. O texto esclarecia que a população havia tomado conta do rapaz e feito justiça. Centenas de comentários. Outro dia alguém postou imagens de alguém que seria um estuprador. Choveram comentários para que todos compartilhassem exaustivamente. Amigos nossos, pessoas de bom caráter, pais de família, empresários influentes, gente da melhor espécie vem curtindo estas monstruosidades.
Noutro lance da mesma história, quando era lembrada, no mês passado, a passagem do infeliz aniversário da ditadura militar no país, parece que houve certo acirramento de ânimos. A saudade do coturno e do fuzil parece que mexeu com a cabeça dos amigos. Alguns deles, justificando a necessidade de que os bandidos realmente paguem pelo que fazem, chegaram a pedir a pena de morte ou a institucionalização de trabalhos forçados ou coisa que o valha.
A insegurança é tema presente. A vontade de vingança vem junto. Agora virou moda no país o tal do justiçamento. É a volta da barbárie. Coisa de um passado quando as atrocidades eram permitidas e incentivadas por leis que promoviam a vingança. A coisa ficou bem pior com as redes sociais. Uma acusação infundada aqui, outra ali. Uma irresponsabilidade aqui outra ali. Tudo normal. Porém, às vezes, pode ocorrer que uma turba sanguinária e irresponsável resolva se achar no direito de promover justiça com as próprias mãos e assume o descontrole do processo. E um boato qualquer, uma mentira insana qualquer postada não se sabe por quem pode causar um dano irreparável.
A democratização da internet, cá entre nós, está dando voz a quem ainda não sabe falar. Os grunhidos das cavernas estão reverberando via web. E com isso, difundem-se, também, os sentimentos mais primitivos, travestidos na forma de combate ao mal.
A morte de uma jovem em São Paulo é um destes espetáculos mais insanos que podemos assistir. É um fato desprezível. Sem explicação razoável. Meu estômago é fraco para isto. Não abro vídeos desta espécie. Nem compartilho. Não tenho curiosidade para espetáculos deprimentes. Sou um covarde, confesso. Mas fico chocado com fatos assustadores como estes.
Pesquisando um pouco mais, concluímos que este não é um acontecimento isolado. O que é uma pena. No Estado da Bahia é corriqueiro o linchamento. Diante de um boato de roubo, de um furto, grupos se armam de pedras e paus e saem a caçar os pretensos bandidos. Vinte, trinta homens e mulheres enfurecidos, com sangue nos olhos, vendados à qualquer possibilidade de que podem cometer uma injustiça. E não param até que o corpo do pretenso culpado esteja destroçado.
A ação deste justiceiro, injustificável desde sempre, apresentam pelo menos três características comuns: a covardia (uma pequena multidão contra um só indivíduo), a crueldade (é necessário destruir o indivíduo) e a inutilidade. É claro que a morte de alguém não resolverá os problemas do bairro, da cidade ou do país. Talvez até incentive a novos ataques, à vingança dos familiares e assim por diante, instalando-se um estado sem ordem e sem lei.
Dizem os estudiosos que o costume do linchamento, aqui chamado na nossa querida e amada Pátria pelo apelido de justiçamento, nasceu na Roma Antiga. Os criminosos eram considerados indignos e poderiam ser punidos à vontade pelos deuses ou, na falta destes, por qualquer pessoa. Mas isto ocorria no período que se iniciou em 753 a.C. Mais tarde, no final do século XIX, os americanos promoviam esta espécie de vingança. Normalmente os mortos eram os negros.
Não há como um cidadão de boa índole aceitar a busca pela justiça desta forma tão primitiva, covarde e cruel. A eliminação da vida de maneira tão brutal e irresponsável nos remete aos tempos mais duros da vida aqui na Terra. Naqueles tempos a justiça era feita por músculos, paus, pedras e dentes arreganhados.
O que mais assusta é que a ira é tanta que não há nem mesmo a preocupação em apurar os fatos, em determinar exatamente a autoria. É tudo no impulso. A massa enfurecida não pode esperar. Tem que ser feito tudo na pressa. Sem direito à defesa, sem julgamento justo.
Retrocedemos mais de mil anos. E para isto basta um só clic. Basta compartilhar porcarias e espalhar o lixo pela rede. O espetáculo aparece logo logo em forma de vídeos na própria rede. Deprimente. Infelizmente verdadeiro.

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