21/10/2016

A Maledicência

As cadeiras eram colocadas embaixo das árvores. Na frente das casas. Os tempos eram outros. Não havia esta insegurança que aprisiona todos dentro de casas que mais parecem prisões. A sombra era necessária. Se alguma brisa movimentasse as folhas, melhor. Era sinal de frescor. Se o vento estivesse muito forte, corria sério risco de que a erva mate fosse retirada da cuia. Na roda de mate das comadres, entre um gole e outro, as preocupações mais comuns estavam relacionadas à vida. Não a vida de cada uma delas. Mas, a vida dos outros.
As comadres eram conhecidas na cidade e faziam parte do grupo “As Maledicentes”.  Iam à igreja aos domingos e, sempre que possível, confessavam seus parcos pecados. De quebra algumas delas confessavam, vez por outra, os pecados dos outros. Tinham medo do inferno. Mas, sabiam que na lista de pecados não havia qualquer menção à maledicência. Apesar de crentes, quando apertava a situação, iam na cidade vizinha e batiam o tambor num centro espiritualista em busca de sorte nas finanças e no amor. Às vezes, no meio dos pedidos incluíam um pouco de azar para esta ou aquela.
 As comadres recolheram-se. Não há como ficar na calçada tomando mate. Não há mais respeito. Até dentro das igrejas não há sossego. Há assaltos por lá, também. O mundo mudou. E como! A erva tá cara e o mate nem é mais tão necessário assim. Há meios mais seguros para jogar ao vento tudo o que se quer. É fácil atingir os resultados. Não precisa de cadeira, cuia, água e sombra. Se estiver chovendo, nevando ou o sol rachando: não importa. Nada impede uma comadre maledicente.
É só ter um telefone celular, vulgarmente conhecido como smartphone, uma conexão de internet, uma conta numa rede social e um grupo de amigos virtuais dispostos a “ficar por dentro das últimas”. Digitam uma mensagem personalizada. Ou, preguiçosamente, copiam o texto e disparam o petardo na lista. Pronto. O lixo está disseminado. Ganhou vida própria. Todo o mundo sabe e ninguém viu de onde partiu “a última”. E cada um que interprete do jeito que quiser. Depois, se for o caso, reza-se porque o Criador perdoa.
Dia desses ouvi numa palestra que a maledicência é um dos males do século e que vem crescendo tanto quanto a vontade do Governo Temer em sacanear o povaréu e garantir os direitos do andar de cima. E o pior: esta doença pega. Como disse certa vez um poeta: o Criador te deu uma vida para cuidar e tu insistes em cuidar da dos outros. Depois não reclama!

*PS: Maledicência não é característica do mundo feminino. É mal que atinge o ser humano em geral. 

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