16/06/2017

As Vergonhas

"Alguns povos não por falta de etiqueta, mas por razões culturais, até hoje não usam os utensílios na mesa.  Na Índia, por exemplo, somente os locais mais ocidentalizados, como os restaurantes e nos grandes centros, é possível servir-se conforme s nossos costumes".

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Nem sempre as coisas foram como são. Houve um tempo, que a memória humana impede que alguém se lembre, que nada tinha nome. Os costumes eram outros. Os utensílios eram outros ou nem existiam. Em síntese, o mundo era outro, mais simples, mais grosseiro, sem tantas alternativas e confortos.
Os povos antigos, por exemplo, atacavam a mesa com total falta de finesse. Aliás, mesa não existia. No quadro A Última Ceia, Jesus está cercado de apóstolo ao redor de uma grande mesa bem posta, com toalha, pratos e talheres. Liberdade criativa de Leonardo Da Vinci. A mesa de jantar, com tolha, talheres copos e pratos foi introduzida somente no século XIV, ou seja, 1300 anos depois da cena retratada pelo genial pintor italiano.  Nos tempos de Jesus de Nazaré, os homens humildes usavam as mãos para comer os alimentos sólidos, como carne e raízes, e colheres para os líquidos. Mesmo a alta classe atacava à mesa sem nenhuma parcimônia.
Polêmicas à parte: as facas são os utensílios domésticos mais antigos. Era arma nos primeiros tempos. Depois virou pau para toda a obra servindo para descascar, cortar, picar, matar, ferir. Legitimamente é o produto de 1001 utilidades. O curioso é que a palavra não tem origem conhecida. Alguns estudiosos tentam garantir que a faca surgiu lá pela África e faz referência a algo cortante.
Já colher é barbada: vem do grego kokhlías, ou concha do caracol, uma alusão ao hábito muito antigo de improvisar a casinha do molusco como utensílio para facilitar a junção dos líquidos da panela.
Alguns povos não por falta de etiqueta, mas por razões culturais, até hoje não usam os utensílios na mesa.  Na Índia, por exemplo, somente os locais mais ocidentalizados, como os restaurantes e nos grandes centros, é possível servir-se conforme s nossos costumes. Em regra, os alimentos são servidos em tigelas e levados à boca com a mão. Com a mão direita, pois a esquerda não traz boa sorte, além de que é usada para higiene pessoal.
Para muitos, apegados às tradições impostas a partir das cortes francesas, outra forma de ação é praticamente impossível. Se alimentar sem o uso dos utensílios, utilizando as mãos é um escândalo.  Por falar nisso, coisa que brasileiro está acostumado é com escândalo. É um por semana. Não é coisinha pequena, fofoca de revista de artista. Isto é coisa do passado. A coisa mudou. Uma semana é o chefe da nação e  sua turma, sempre ávida por meter a mão na cambuca. No outro é do tribunal. Depois, o chefe que manda arapongas cuidar da vida do magistrado.
Mas, a vida nem sempre foi assim escandalosa. Esse termo, aliás, não tem nada a ver com o seu sentido atual. Contam que no passado skand era uma expressão indo-europeia para designar o ato de pular, escalar, trepar. Depois a palavra ganhou o sufixo árabe al, passando a significar obstáculo para derrubar alguém. Muito tempo depois, o latim tardio consagrou a expressão como vergonha.
Acostumamos a ver essas carinhas santas que desviam milhões numa legítima parceria público-privada brasileira, num escandaloso jogo que enche o tacho de uns poucos e rapa o tacho de todos os outros e, sinceramente, sinto que não há ali nenhuma vergonha estampada. E isto tudo não é capaz de derrubar a chefia. Porque a chefia é experto na arte escalar. Só pode.  

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