20/03/2019

O perigoso mundo dos remédios


O pensamento até que tem alguma lógica: surge uma doença, pesquisadores analisam o caso, laboratórios investem pesado e desenvolvem um remédio. Uma revista científica publica o trabalho assinado por um escritor. O médico receita a medicação. O paciente toma. E a doença vai embora.
Assim deveria ser. Porém, nem sempre é assim que ocorre. Existem inúmeros alertas de que esta tabelinha entre doença, pesquisa, desenvolvimento de medicação e cura não se estabelece como deveria. O mais contundente deles é de Robert Whitaker, jornalista americano, escritor especializado em medicina e ciências, que publicou quatro livros sobre o tema e venceu inúmeros prêmios de jornalismo nos EUA. Segundo ele, a indústria farmacêutica investiu na relação com a psiquiatria e o que se vê hoje é uma sociedade altamente medicada e sem uma resposta positiva para os transtornos que atingem o ser humano.

Destaca Whitaker que aproximadamente 20% da população americana consome remédios para doenças psiquiátricas. Estas drogas, num curto espaço de tempo, trazem um bem-estar. Porém, o uso continuado por dez, vinte e até trinta anos tem causado transtornos sérios e irremediáveis às pessoas. Além da depressão, outra preocupação do escritor está relacionado ao Déficit de Atenção.
Allen Frances, americano, ex-diretor da revisão do guia de referência mundial para doenças psiquiátricas, também destaca o uso abusivo de medicamentos e a forma antiética encontrada por laboratórios para criar transtornos visando ampliar a venda de remédios. Alerta que o sistema atual permite que os problemas diários sejam transformados em transtornos mentais e, posteriormente, sejam tratados com comprimidos. “Parte do problema é que o sistema de diagnóstico é muito frouxo. Mas o principal problema é que a indústria farmacêutica vende doenças e tenta convencer indivíduos de que precisam de remédios. Eles gastam bilhões de dólares em publicidade enganosa para vender doenças psiquiátricas e empurrar medicamentos”.
Robert Whitaker, em entrevista ao El País, destaca que “a história falsa nos Estados Unidos e em parte do mundo desenvolvido é que a causa da esquizofrenia e da depressão seria biológica. Foi dito que esses distúrbios se deviam a desequilíbrios químicos no cérebro: na esquizofrenia, por excesso de dopamina; na depressão, por falta de serotonina. E nos disseram que havia medicamentos que resolviam o problema, assim como a insulina faz pelos diabéticos. Os comprimidos podem servir para esconder o mal-estar, para esconder a angústia. Mas não são curativos, não produzem um estado de felicidade”.
Apesar de sofrer ataques de diversos grupos, o escritor e jornalista vem, também, assistindo à confirmação de suas pesquisas como os trabalhos dos psiquiatras Martin Harrow e Lex Wunderink e o fato de a conhecida revista científica British Journal of Psychiatry assumir que é preciso repensar o uso de medicamentos. É muito pouco, ainda, quando se sabe que a indústria farmacêutica movimenta recursos na ordem de 80 bilhões de dólares anualmente.
Sobre o quadro perverso de uso indiscriminado de medicação como ritalina, especialmente para crianças em idade escolar, Whitaker destaca que “vivemos em uma sociedade altamente medicada. É um problema global. Por outro lado, temos resultados positivos com experiências com escolas que dão mais tempo para as crianças brincarem, que optam por alimentação saudável ou mudam a forma de os professores ensinarem. Em todos estes casos, os sintomas de TDAH desaparecem. Temos que escolher entre mudar nossas escolas e nosso modo de vida ou continuar medicando nossas crianças”.
Como se vê, neste caso, bem se aplica o ditado popular, resultado do senso comum, de que é muito pequena a diferença entre o veneno e o remédio.

Leia mais sobre o tema:

Nenhum comentário:

Postar um comentário