22/09/2010

A primavera de Dionísio

Eis que a primavera voltou. E já não era sem tempo. Frio, chuva, ciclone, e destruição foram alguns dos termos constantemente utilizados no inverno que castigou o Sul do Brasil. Casas destelhadas, veículos levados pela força das águas, desmoronamento de estradas, vidas ceifadas. As cenas, que à vezes parecem adstritas aos filmes americanos, foram, para muitos gaúchos, catarinenses, paranaenses e paulistas, parte da vida real. Lá se foi o inverno, rigoroso como nunca. 
A primavera que se inicia tem um significado de renascimento, de ressurgimento. Na mitologia grega, Dionísio, é o deus do vinho e da vegetação. Foi ele quem ensinou os homens o cultivo da videira e a transformação da uva em vinho. Inebriados pelo vinho, seus seguidores se excediam no culto, atingindo a êxtase em celebrações que terminavam em orgias. Entre os romanos era Baco.
 
De acordo com a tradição, Dionísio-Baco morria a cada inverno e renascia na primavera. Este renascimento era marcado por modificações profundas na paisagem, com o reflorescer das plantas e a frutificação das árvores. Grandes celebrações eram realizadas, dando argumento aos dramaturgos Sófocles, Ésquilo e Eurípedes. Tanto que é o protetor do teatro.
O mito Dionísio, na realidade, esconde uma simbologia rica, dramática e criativa. Conta-se que Dionísio é filho de Zeus e de uma simples mortal, Sêmele. Com a morte da mãe, que não suportou a carga de uma gestação divina, Dionísio passa a ser gestado na coxa de seu pai. Já adulto tornou-se louco, um errante, sem destino. Curado, aprendeu a arte da vinicultura.
Apesar das mudanças aparentes, na luminosidade diferenciada, da ampliação do dia, da redução da noite, ainda nuvens muito pesadas cobrem os céus do Rio Grande. Os jornais diários, as rádios e os telejornais a cada dia revelam uma série de diálogos de autoridades, antes insuspeitas, que, em códigos combinam a entrega de polpudos recursos. O material é farto, os diálogos em alguns momentos são risíveis. É tanta gente envolvida, tanta gente falando, combinando entregas de relatórios, de encomendas, que nos perdemos no meio deste labirinto de desvios, de dissimulações, montado para sustentar um esquema de corrupção que nos surpreende, nos enoja.
Nas primaveras de Roma, os excessos nos cultos a Baco tornaram-se tão prejudiciais à sociedade que o império os proibiu. O culto pagão, regado a vinho e música, liberava os sentimentos mais íntimos, dando vazão aos instintos animalescos. Homens e mulheres se misturavam, sem censura, sem medo, sem limites. Eram os bacanais. A balbúrdia foi tão grande que Roma se indispôs.
Os tempos são outros. Não se prendem tanto em vinhos e farras. Um grupo, porém, parece saído dos bacanais greco-romanos e sem pudor, sem censura, dá vazão a sentimentos animalescos. Querem tudo, muito, muito mais. Querem garantir seu quinhão, mesmo que de maneira grotesca. Sem desmesura, movidos somente pelo instinto, aquele mesmo que animava os seguidores de Dionísio. Inebriados, talvez, pelo vinho do poder.    

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