06/08/2014

A pontaria

Naqueles tempos em que a nossa infantilidade imperava, investíamos algumas energias em atividades lúdicas. E, verdadeiramente, não tínhamos preocupações ecológicas. Ninguém tinha, naquela época. Minto, o José Lutzenberger tinha. Mas, ele era considerado louco. Um maluco que pregava o apocalipse. Era um visionário que enxergava perigos na derrubada de árvores, no lançamento de dejetos nos rios, nos lagos e no mar. Era um homem estranho que aparecia na capa dos jornais defendendo coisas que não falavam, que não se expressavam. Dava valor aquilo que ninguém notava. Convenhamos, isso era uma coisa muito estranha naqueles tempos em que o que mais havia era árvores e água limpa. No nosso meio, ao menos, ninguém entendia muito bem o que ele queria, afinal.
A gurizada, por sua vez, longe das polêmicas, gostava mesmo era de caçar passarinhos. E o instrumento usado era a funda ou o bodoque, como também é conhecido. Durante a tarde juntávamos a munição, pedrinhas redondas, e saíamos para o mato. A vontade era trazer farta caça. Não se fazia barulho. Pé ante pé nos deslocávamos procurando por uma presa. As pombas rolas eram as preferidas.
Porém, se dependesse do resultado de minha caçada para viver morreria de fome. Confesso que minha incompetência era tanta, minha mira era tão ruim, que jamais (eu disse jamais) acertei qualquer pelota em passarinhos. De certo modo, hoje passadas algumas décadas, isto me serve de consolo. Na época, no entanto, sofria com minha falta de habilidade.
Em passarinhos jamais acertei uma fundada. Mas, em outro menino, isto consegui. Estávamos nas nossas estrepolias normais com fundas e pedras e um amigo, que se chamava Mauro, ficou gozando das minhas habilidades (ou ausência de) de caçador. Eu, no instinto, virei a funda em sua direção. E ele ficou rindo dizendo que não acertava em pássaro e nem nele. Fiquei possuído de raiva e fiquei apontando a perigosa arma. E ele ria como uma hiena. E meus dedos foram ficando cansados. Tinha vontade de soltar a pedra em sua direção, mas, por outro lado, algo dizia que não devia cometer aquele desatino. E o diálogo continuou por tempo indeterminado. E meus dedos foram relaxando. E Mauro continuava rindo despudoradamente. Até que simplesmente escapou a pedra, pequena pedra, e num tiro certeiro passou raspando a cabeça do Mauro, arrancando mesmo alguns de seus fios de cabelos.
Na hora senti que tinha feito uma grande bobagem. Saí correndo dali com medo. Mauro também saiu dali com sangramento no couro cabeludo. Não preciso dizer que, por conta da traquinagem, levei algumas cintadas em casa.
A mãe do Mauro era mesmo uma santa. Até foi lá em casa para averiguar o fato. Saiu de lá dizendo que era coisa de moleque.
Boa pontaria eu tive naquela única e decisiva vez.
Minha vontade predatória na caça de passarinhos, como disse, foi suplantada pela minha imperícia no uso da funda. Já o velho ecologista, Lutzenberger, como bem demonstra a história tinha uma mira certeira.

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