29/05/2015

A Era do Rádio

Final de tarde. O sol se retirava de cena vagarosamente. O calor ainda era grande, o vento era calmo. Estava sentado em um banquinho. Tinha talvez uns oito anos. Nove no máximo. O pai estava ao lado do rádio. Ouvia atentamente. A voz grave do locutor anunciava com sensacionalismo: “Daqui a pouco, importante entrevista com o mago fulano de tal que vai falar sobre o fim do mundo. Fiquem ligados. Daqui a pouco, depois dos comerciais”.
Sentia medo o menino.  Como assim? O mundinho iria acabar? A terra arenosa onde seus pés pisavam naqueles dias juvenis iria sumir? A bergamoteira em cujos galhos empoleirava-se tentando pegar a fruta maior, mais madura e mais doce desapareceria um dia? A goiabeira apinhada disputada ferrenhamente com os passarinhos também deixaria de existir? O mundo acabando assim desse jeito não fazia parte dos seus planos. A tarde caia e o radialista ia adiando a tal a entrevista aumentando ainda mais a angústia, a incerteza e a tensão que faziam o pequeno coração pular desordenadamente no peito. O pai deixou o rádio de lado e flagrou o medo no olhar do menino. Disse que não levasse as coisas tão a sério.  Que não seria a primeira nem a última vez que o mundo todo seria mexido por catástrofes.
E, enquanto o rádio falava das maravilhas do Chá Jamaiquinha, ideal para quem quiser emagrecer sem dietas; do Café Haiti (tá fazendo na cozinha, tá cheirando aqui) e de Olina - Essência de Vida, contou uma longa história que iniciou em tempos imemoráveis. A terra era ainda mais verde, havia mais frutas, mais água limpa e mais animais. Os meninos corriam pelos campos. As mães cuidavam das casas. Varriam seus pátios, preparavam refeições à base de caça e de cereais. Os homens empreendiam grandes jornadas. Embrenhavam-se na floresta. Montavam campana para surpreender os animais.                                                            
Certo dia iniciou-se um período de chuvas intensas. O sol, a lua e as estrelas ficaram cobertas por nuvens tensas. Chuva, vento, chuva e vento. Rios transbordaram, lagos encheram e os mares foram crescendo. Até que as águas dos rios, dos lagos e dos mares se somaram e cobriram toda a terra. E os meninos que corriam pelos campos, as mães que preparavam as refeições com muito gosto, os homens que invadiam as florestas e os animais que fugiam dos homens foram vencidos. A Terra virou um grande oceano.
Porém, alguém havia sido alertado pelo Criador. E este alguém muito espertamente montou uma arca e juntou casais de animais para procriar no futuro. E partiu desbravando as águas e as tormentas. Navegou tanto que um dia o sol voltou. E a terra foi lentamente suplantando a água e o mundo voltou ao que era antes. As bergamoteiras com o tempo voltaram a dar bergamotas, as goiabeiras se encheram de frutos e de pássaros. E os meninos voltaram a correr pelos campos, as mães ao fogão e os homens a perseguir animais. E o dilúvio virou lenda. E o mundo que havia acabado voltou a existir. 
Acabou em água e acabará em fogo, remendou o pai. O fogo consumirá tudo um dia. Mas isso levará muito tempo. Virão outros verões, outonos, invernos e primaveras. Crescerás, constituirás família e o mundo estará aí aos seus pés.
O tempo passou depressa. O Chá Jamaiquinha nem existe mais. Hoje se anuncia que nosso planeta acabará um dia. O Sol explodirá dentro de sete bilhões de anos. Sem dó nem piedade. A Terra viverá frio intenso. As bergamoteiras e goiabeiras deixarão de dar seus frutos aos meninos e aos pássaros.  

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Um comentário:

  1. Parte da minha cultura foi a partir do rádio. Um dos presentes mais marcantes que ganhei do meu pai, quando tinha cerca de 12 anos, foi um rádio de porte médio, onde passeava por todas as rádios, buscando em ondas médias e curtas informações de outros lugares, inclusive estrangeiros. O rádio, apesar das várias mídias e meios, ainda é minha fonte favorita, seja pelas ondas ou pela internet.

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