25/07/2019

Breve olhar sobre o fanatismo

Ilustração: Bruno Reis
Por Jerri Almeida*

O fanatismo é um problema humano, potencializado pelo poder das narrativas, sejam elas de caráter religioso, ideológico ou político. Para o sociólogo francês Edgar Morin, há uma boa dose de loucura no homem. A loucura não conduziu a espécie humana à extinção. Contudo, quanta destruição de culturas, de sabedoria, de obras de arte! Em 2015, um vídeo produzido pelos militantes do Estado Islâmico chocou o mundo. Utilizando tratores e explosivos, destruíram na cidade de Palmira, Síria, o templo de Baal-Shamin, um patrimônio histórico da humanidade construído por volta do século II a. C, dedicado à divindade Baal, também chamado Beelshamên. Palmira, a cidade que foi parte do Império Romano até o ano de 273, era parada obrigatória para os comerciantes que faziam a famosa Rota da Seda que interligava o comércio entre Europa, Ásia e China.
O termo “fanático” foi cunhado, no entanto, no século XVIII para designar – no período da Revolução Francesa – os partidários extremistas, exaltados, possíveis defensores da guilhotina. O fanatismo enquanto fenômeno histórico, presente em todas as sociedades, é – de forma ampla – decorrente da própria insensatez humana ao alimentar pensamentos inflexíveis, dominados por paixões que fecham – indivíduos e grupos – para o diálogo, para o múltiplo e, ainda, para a possibilidade de autoengano.
O fanático é alguém que “acordou o seu profeta interno” e está convencido, emocionalmente, de ter encontrado a verdade, por isso não aceita contra-argumentos. Mesmo quando outras verdades – diferentes da sua – se revelam por meio de evidências claras e perceptíveis, ele se mantém irredutível. Existe uma identidade a ser preservada e defendida. Uma identidade que vincula o sujeito a um time de futebol, a um partido político, a uma religião ou a uma ideologia específica. O acirramento dessas identidades produz comportamentos intolerantes e, não raras vezes, agressivos.
Nos dias atuais, apaixonados por líderes, deste ou daquele partido, desta ou daquela ideologia ou religião, os fiéis – partidários ou crentes – da política contemporânea, recrudescem ao contexto anterior ao iluminismo, abdicam da racionalidade, aderem ao fanatismo, defendendo seus ícones sagrados com esmero e, se necessário, com insensatez. Tudo em nome daquilo que parece ser a “única verdade”. As redes sociais deram voz, despertaram o “profeta interno” dos indivíduos normais. Assim, as comunidades virtuais passaram a constituir palcos de debates acalorados sobre qualquer assunto. O sujeito, sujeitado pela suposta comodidade de expressão, atrás de um computador, sente-se mais livre para exaltar suas verdades, nem sempre verdadeiras.
Mas, fanáticos não têm senso de humor. O escritor israelense Amós Oz – romancista e ativista político, recentemente falecido – considerava que o humor e a literatura são capazes de corroer o fanatismo.1 Para ele, o incentivo à literatura desenvolve a imaginação. Assim, obras de Shakespeare e Kafka, por exemplo, poderiam estimular uma boa dose de imaginação no sujeito, promovendo o seu encontro não somente com os complexos e dramas humanos mas, principalmente, com o senso de humor.
O humor é a habilidade de tornarmos joviais, situações que poderiam ser tensas, atenuando o clima emocional. Desse modo, a arte cumpre a função de redimir o papel da verdade, suavizando discursos e narrativas. Acalmar o “profeta interno” não é tarefa simplista, ainda mais em tempos de redes sociais. Entretanto, no contexto atual, necessitamos de lucidez para guiar o discernimento e uma boa dose de jovialidade para amenizar os discursos.
Nos dias de perplexidade, de posturas que conspiram contra o bom senso e a racionalidade, a exaltação das identidades políticas e ideológicas se fortalece, dividindo a sociedade brasileira, especialmente, numa neurótica bipolaridade que beira ao fanatismo. Na verdade, a democratização da expressão, reprimida ou dificultada ao longo da história brasileira, parece encontrar agora, no anseio humano pelo exercício de sua liberdade, os meios disponíveis para exercê-la. O que está faltando, no momento, é lucidez e bom senso para que cada um consiga dominar o seu “profeta interno”. Dialogar e argumentar em nível elevado de ideias, a favor desta ou daquela suposta verdade, mas também de silenciar quando o diálogo se tornar impossível. A melhor saída? O bom humor, ou, ler um livro de Shakespeare.

1  OZ, Amós. Como curar um fanático Israel e Palestina: Entre o certo e o errado. 1ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 2016. p. 13.

* Publicado originalmente no Suplemento Mundo das Ideias, edição 3, de 30.05.2019. O caderno circula encartado no Jornal Bons Ventos.

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