29/09/2011

As ilusões de ótica

Jogos de futebol são ilusões de ótica*
O escritor uruguaio Eduardo Galeano é dos poucos intelectuais que gasta tempo com o futebol. Lembra os grandes jogos, as jogadas de mestre, os timaços de então, a paixão do torcedor. Destaca, no entanto, que o jogo hoje está despido de beleza.
Tanto quanto Eduardo Galeano, quis ser jogador de futebol. Como meu sonho era inalcançável, troquei os pés pelas mãos, tornando-me cronista esportivo. Tarefa que se revelou mais fácil e também prazerosa. Hoje, afastado da crônica, instalado no sofá da minha sala, vejo jogos que não mais empolgam. Espetáculos que ficam devendo muito no quesito arte.
O jogo que vimos hoje é um arremedo do que se jogava. Os times são divisões militares que se postam maquinalmente como se marchassem numa parada do Dia da Pátria. Falta leveza, graça, malandragem e improvisação.  Este espetáculo que vimos aí nas telas da tevê é um mal acabado rascunho, vendido como se obra-prima fosse.

21/09/2011

O destino

Acreditou-se um dia que o destino era uma história já escrita. Os homens aqui apareciam com um roteiro pré-estabelecido. Diante disso, cabia tão somente seguir o escrito, sem a possibilidade de providenciar alterações. Como soldados, marchando em fileiras absolutamente organizadas, homens e mulheres seguiam suas vidas aguardando a chegada dos acontecimentos que lhes cabiam. Marionetes dos deuses, brinquedinhos nas mãos dos soberanos. Suas vontades não operariam mudanças. Nascimento, vida e morte. Uma história sem sentido. Caminhos traçados previamente, inalteráveis.
Desde pequeno penso sobre isso. Ali, depois das primeiras dificuldades que a vida apresentava, concluía que a vivência de cada um é tal qual um livro que leva nosso nome na capa, uma breve introdução e com inúmeras folhas a serem preenchidas lentamente. É uma imagem simplória, uma conclusão infantil para um tema que tem suscitado aos maiores pensadores a formulação de teorias das mais diversas para explicar os enigmas da vida.

18/09/2011

O nariz da miss

A cirurgia é um dos grandes avanços conquistados pela medicina, nas últimas décadas.  Milhares de vidas têm sido salvas no mundo todo pelo constante aperfeiçoamento de técnicas desenvolvidas ao longo dos tempos. 
O início das cirurgias, pelo que se sabe, foi dramático, até cruel. Conta-se que em países orientais ocorreram as primeiras experiências, com a tentativa em restaurar corpos danificados por acidentes ou guerras. Depois, já nas grandes guerras no Ocidente, os cirurgiões eram os barbeiros, que de posse de lâminas de fio incontestável amputavam membros dilacerados, muitas vezes no próprio campo de batalha, sem anestesia, sem assepsia.  
De reparação em reparação, as cirurgias foram evoluindo de tal forma que chegaram, agora no século XXI, à massificação.  Os grandes narizes, os narizes minúsculos, os seios extremados ou minúsculos, o excesso de rugas (as marcas de expressão), a falta de queixo ou o excesso, as mandíbulas proeminentes, enfim, quase tudo pode ser o centro de uma reparação estética. E o pagamento em suaves prestações mensais.

15/09/2011

Nos tempos das cartinhas

Houve um tempo em que o meio mais rápido de comunicação entre seres separados por léguas de distância era através de uma missiva, uma carta. Os mais jovens, com certeza, desconhecem o que vem a ser tal coisa. Vamos então ao insubstituível e insuperável dicionário. Lá está a definição de carta: "escrito que se envia a outrem com cumprimentos, pedido, ordens, notícias etc.; epístola, missiva".

O processo de envio de tal correspondência iniciava com a compra de papel adequado e de um envelope padrão. Depois, o escriba haveria de queimar os neurônios para escrever os seus sentimentos, suas apreensões, suas desconfianças, as notícias e os pedidos. Acabado o texto, normalmente após o amassamento de um bom número de folhas de papel, - descartadas por alguma impropriedade, algum borrão, algum arrependimento oportuno-, seguia-se o envelopamento, com o preenchimento do emitente e destinatário com seus endereços legíveis.

07/09/2011

Caderno de anotações

Acontece cada uma! Durante uma caminhada por estas ruas da cidade me deparei com um caderno, na beira da calçada. A letra bem desenhada demonstra o cuidado e o capricho do escriba. Suas anotações já numa primeira análise me chamaram a atenção. Olhei para um lado e outro e nem sinal de quem o tenha perdido. Com objetivo de localizar o autor escolhi alguns trechos que achei interessantes.



Mundo encantado
O menino encontra uma lâmpada antiga. Esfrega daqui, esfrega dali e nada. Esperava o surgimento de um gênio que realize seus três desejos. Decide assoprar na boca da lâmpada e surpreendentemente é sugado sem apelação. 
Com satisfação constata que está num reino encantado. As casas branquinhas são feitas de chocolate ao leite, as janelas e portas marrons, de chocolate também. As ruas pavimentadas de mariolas. O meio fio de marshmallow. Logo na frente, uma nuvem de algodão doce descarrega uma chuva de M&M’s. Excitado corre em direção à chuva com as mãos em concha. Nisso, o menino tropeça e cai de boca numa pedra de passoquinha.
Desperta de sobressalto com sua mãe gritando ao lado: “Vai já escovar estes dentes, menino!”

Outro fim possível
“Vovô, vovô! Acorda, tá na hora da insulina!”

Planeta dos Macacos
Num planeta distante, numa galáxia qualquer, uma família de macacos assiste à Sessão da Tarde. Na tevê passa um filme onde humanos administram um planeta. “Não gosto de ficção científica”, diz o patriarca.

A rainha ranzinza
A rainha fora de casa é simpática. Ri com facilidade. Brinca e se diverte. Na tevê transmite uma paz! “Viva a Rainha!”, gritam todos quando passa o cortejo real. 
Os que convivem com ela em casa, porém, conhecem a sua outra face. Sua alteza é rabugenta, ranzinza, implicante. Gasta bom tempo do dia a gritar: “Fulano faz isso, Sicrano ajuda lá, Beltrano não fez ainda?”. 
Os súditos, porém, não abrem a boca, não contestam nada, nada. Nada comentam que desabone a rainha. Os de fora certamente não acreditarão. A rainha que conhecem pela tevê é simpática e ri com facilidade. 
Quando, porém, sentem que há injustiça no tratamento dispensado em casa falam baixinho, num tom de desculpa: “Ela não faz por mal”.

Ironia das touradas
Assistindo na tevê estas touradas, identifico na reação do público até certa evolução. Hoje chegam ao êxtase com a morte do touro. Esta gente toda, um dia, no Coliseu Romano, ria, gritava e chegava ao delírio quando os leões destroçavam sem piedade os corpos dos Cristãos. 

Constatação
Quis usar uma gíria dos tempos da turminha da adolescência, mas ela sumiu. Procurei nas gavetas da memória e nem sinal dela. Ahhhhh, foste tu Glutão (que é o tempo), sempre devorando os nossos sinais juvenis! Depois, como se desculpando, arrota palavras sérias que vamos incorporando nos nossos diálogos da maturidade.