04/06/2012

Coisas da vida

Um tal de corredor polonês foi implantado no banheiro masculino no Colégio Conceição. Perfilados em duas colunas os agressores se colocavam dentro do banheiro. Na hora em que a pobre vítima passava era puxada para o seu interior e levava alguns safanões. Nada que não pudesse ser suportado. Não restavam marcas nem ferimentos. Era uma brincadeira. Uma violência controlada pelos meninos bem nascidos da cidade, impulsionados pelo desejo de emoção naquelas tardes frias.
Engana-se quem acha que as manifestações violentas (de leve moderação) só se davam no recreio. Imperava ainda o costume patético do castigo. Na escola pública, onde também estudei, alguns professores seguravam o ímpeto dos pestinhas e indisciplinados com verdadeiras sessões de tortura. Isso mesmo, tortura! Uma régua de madeira, quadrada e longa era manejada com rara precisão por uma professora. Éramos obrigados a mostrar as unhas diariamente. Se estivessem sujas a providencial régua zunia contra os dedos temerosos dos pequenos. Alguns tentavam ludibriá-la, retraindo a mão rapidamente. Esforço inútil. Sempre perdiam.
Ela caminhava ostentando um sorrisinho sarcástico. Talvez sentisse alguma satisfação ao olhar aqueles olhinhos temerosos, escondendo as mãozinhas e suas unhas mal feitas. A professora, por certeza uma real descendente de Tomas de Torquemada, ainda tinha no seu repertório uma série de apetrechos para assegurar a disciplina e a ordem. Uma tábua com tampinhas de garrafa pregadas com a parte cortante para cima e o providencial milho. Um deslize, uma só manifestação de indisciplina e o aluno era apresentado ao tapete de tampinhas ou ao cereal. Ali ficavam como faquires de sete ou oito anos meditando algum tempo.
Passei ao largo de tudo isso. Era comportado. Talvez fosse pequeno demais e por isso tenha ativado algum profundo sentimento humano na professora. Afinal, um pouco de ternura sempre pode residir lá no fundo dos seres malvados. Mas, ao puxão de orelhas, prática pedagógica por demais corriqueira, não passei incólume. Em outra escola, é bem verdade, a professora havia colocado no quadro uma série de contas de multiplicação. Chamava um por um para resolvê-las. Minhas pernas pesavam centenas de quilos só de pensar. Nem que quisesse teria a capacidade de levantar da cadeira e me dirigir até a frente da turma, empunhar um giz e resolver qualquer questão nem que fosse dois vezes dois. Os números se embaralhariam, o mundo começaria a rodar e seria um rotundo fracasso. Para me tirar da letargia a professora se dirigiu decididamente até minha classe, apanhou-me pela orelha e me conduziu até o quadro verde. Entregou-me o giz e disse "agora resolve!". Minha previsão estava correta. O fracasso se fez presente. A minha incompetência resultou na condução de volta para meu lugar pela orelha.
Não preciso dizer para ninguém que sempre convivi muito mal com os números. Hoje a calculadora, presente no computador, no celular, me salva. Não havia bullying nem as ações de dano moral. Prosperassem ações deste tipo e talvez fossemos milionários hoje em dia.
Percalços e interpretações equivocadas fazem parte do processo. A verdade é que, ainda assim, sou grato ao período em que estive dentro de uma sala de aula. Dali nasce um mundo melhor. Os professores estão na base da construção de um país. Por isso devem ser bem remunerados. Sem pagamento justo não há como implantar uma educação transformadora. Os salários pagos são aviltantes. As desculpas são esfarrapadas, inconsistentes. Carência de recursos, excesso de professores e blá-blá-blá-blá. O discurso de hoje não é o mesmo da campanha. Coisas da vida!

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