21/03/2013

Um banquete para os deuses


 Il festino degli dei, de Giovanni Bellini
National Gallery of Art, Washington, D.C.
Dizem os estudiosos que de todos os instintos primitivos, foi o medo o que contribuiu de maneira mais decisiva para que a espécie humana sobrevivesse entre as feras dos primeiros tempos. Pequeno em tamanho e inteligência, o homem precisou se esconder para não virar o lanchinho  do dia. A temperatura também não ajudava. Frios e calores extremos fizeram do homem um ser nômade, sempre na busca de uma condição melhor. 
Mesmo depois de superadas as feras, o homem convivia com o medo. O desconhecido,  a ignorância, o atraso intelectual foram os propulsores dos medos  das eras seguintes. O temor já não era de virar comida, mas sim da ira dos deuses. Fortes e geniosos, os primeiros deuses tinham vocação para a vingança, para a destruição daqueles que não faziam tudo exatamente como deviam. Havia medo em todos os lugares. Afinal, diferentemente das feras que contavam somente com dois olhos, os deuses tudo viam, tudo sentiam, tudo sabiam. Mesmo o mais fugidio pensamento podia ser captado pelas antenas sempre atentas das divindades.
Num cenário como esse, valia de tudo para agradar estes deuses. Comidas das mais diversas, doces dos mais saborosos e bebidas das mais inebriantes foram as armas encontradas para reduzir um pouco aquela cobrança impecável. A impressão é de que enquanto os deuses consumiam os banquetes ofertados pela sua pobre gente, lambendo os dedos sem muita finesse, o mundo estava em paz. Haja comida! Carnes assadas, frutas, ambrosias amarelinhas e sem fim. Cerveja hoje, vinho amanhã. Música e dança. Tudo junto e misturado, de preferência com um leve sorriso no rosto, e jamais com cara de temor porque o medo se guarda lá dentro.
Eram insaciáveis. Não há como negar a importância destas divindades para o aprimoramento da culinária. 
Uns que outros, mais atentos a tudo isso, acabaram notando que, por mais que empanturrassem os deuses, as condições de vida continuavam as mesmas. Ou seja, a safra minguava, os negócios não iam muito bem, as doenças dizimavam famílias inteiras. “É falta de fé” gritavam de outro lado os que ainda nutriam esperança nos deuses glutões.
Certo é que as relações do homem com a divindade foi se modificando ao longo dos tempos. Mesmo que, durante a caminhada, os mais fervorosos tivessem o ímpeto de se valer da força, da fogueira e da tortura como formas de convencimento. 
O medo, como se vê, acompanha o homem desde que ele surgiu por aqui. Hora era real, hora imaginário. Hora era próprio, hora era a arma usada pelo poderoso. 
Mesmo o mais audaz dos homens, lá no fundo ainda guarda um pouquinho de medo. O artilheiro, acostumado com a decisão, ainda sente as pernas pesando na hora da cobrança do pênalti, especialmente se for o último lance do jogo. A cozinheira de capacidade reconhecida ainda guarda no seu íntimo o temor de que algo dê errado na hora do teste na cozinha do novo restaurante. O jovem, que se arrisca no esporte radical, chama de adrenalina o medo que encharca suas entranhas “na hora do vamos ver”. 
É medo. O velho medo que permitiu que os homens chegassem até aqui.

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