01/04/2016

A Faxina

Dona Ester é uma senhora distinta. Não fala sobre sua idade. Os familiares mais próximos bem sabem que ela já passou faz muito dos 80. Mas não falam isso alto. Ela ainda é muito forte. Vaidosa. Não se entrega. Minto: ela se entrega quando o Bonner e sua mecha branca no cabelo aparecem na tela da tevê. Ela o trata como se seu neto fosse.  Não perde nada. Toda a noite, antes da novela, ela vidra os olhos e acompanha quase sem respirar o catatau de notícias que ele desfila durante o Jornal Nacional.
Apesar do seu jeitinho doce, Dona Ester bem sabe que nem tudo o que este moço diz é a mais pura verdade. Dona Ester não é boba. Ela sempre guarda um pouquinho de desconfiança, coisa que aprendeu ao longo das décadas que viveu. Seu pai dizia que mulher não deveria estudar, que tinha que cuidar da casa, dos filhos e do marido. Hoje, Dona Ester bem vê que seu pai estava redondamente enganado. E assim ela vai tirando suas conclusões. Com o tempo foi vendo teses serem derrubadas, outras se confirmando.
Mas, se tem coisa que sempre deixou Dona Ester estimulada era uma boa faxina. Quando era jovem e cheia de energia, vibrava quando o sábado chegava e tinha a oportunidade de comandar a maior operação de limpeza já vista na sua casa. Toda a semana era uma nova operação. Os preguiçosos e dissimulados da família, não muito apegados às lides domésticas, bem que arrumavam atividades que começavam lá pelas oito da manhã e se estendiam até a hora do café da tarde.      
Dona Ester caprichava o que podia. Os tapetes iam para a rua. Os móveis dançavam para lá e para cá. Nada ficava no lugar. E jogava baldes de água e produtos de limpeza. Em dado momento, de joelhos no chão e com a escova na mão,  começava a fazer movimentos circulares e ritmados enchendo a casa de uma música alegre anunciando que dentro em breve tudo estaria limpo e cheiroso.  Ela, coitada, não tinha tempo para ajeitar o cabelo, para manter intacta sua beleza. No final do dia, quando a casa estava recomposta, com os móveis nos seus devidos lugares, restava um arremedo de Ester. Era só cansaço. 
Agora, vendo um deputado dizendo na tevê que o Brasil precisa de uma faxina, Dona Ester até se encheu de emoção. Os baldes de água jogados freneticamente, a escova na mão, a força para afastar os móveis. A cabeça bem que girou. Mas, a emoção durou pouco.  Lembrou que aqui nesta terra as promessas nunca são cumpridas na sua integralidade. As coisas se perdem. As limpezas são abortadas no meio do trabalho. As faxinas não se completam. 
Dona Ester acha mesmo que apenas alguns móveis serão trocados de lugar. Simplesmente serão substituídos por outros que já estavam na casa. E tudo continuará como antes: a casa suja esperando por um poderoso jato de água que mexa com toda a sujeira e não com apenas parte dela.

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