26/02/2014

As lendas

Conta a lenda que, no ano de 490 a.C, soldados gregos marchavam até a planície de Marathónas para lutar contra o exército persa. O comandante grego notou, porém, que seu exército era diminuto e se continuasse marchando seria facilmente derrotado pelos adversários.
Sabiamente, estacionou sua tropa e escolheu o soldado mais veloz de todos (Pheidippedes) para que corresse os 40 km que os separavam de Atenas. Lá deveria arregimentar mais homens para se juntar ao exército. E assim foi feito.
Em pouquíssimo tempo, o soldado corredor retornou marchando com mais 10 mil homens. Com as fileiras encorpadas, os gregos venceram a batalha. Satisfeito, o comandante deu nova ordem a Pheidippedes (que deve ter pensado naquele momento: “o homem não larga do meu pé!”). Deveria retornar os 40 quilômetros e informar a todo o povo que os gregos haviam vencido. Obediente como cabe a um soldado, mesmo enfrentando a fadiga da guerra, da falta de sono, de alimento, voltou até a cidade. Ao chegar, extenuado ao extremo, juntou o pouco de forças que lhe restavam e pode somente dizer uma palavra, antes de cair morto: “vencemos”.
Esta lenda, que, segundo se diz, deu origem à maratona, que mais tarde foi encorpada com outros jogos viris e resultou nos Jogos Olímpicos Gregos, sucedidos depois pelas Olimpíadas, bem exemplifica o modo como a informação era repassada nos tempos mais remotos. Ainda não havia sido descoberta a imprensa, e a transmissão da informação era feita de forma oral. Eram, portanto, indispensáveis, pulmões e pernas fortes o suficiente para cobrir grandes distâncias.
Hoje não é necessário correr 40 quilômetros para anunciar o resultado de uma batalha. Em questão de segundos, o mundo é informado de tudo. Um negócio fechado na bolsa de valores agora estará disponível a todos os conectados num piscar de olhos.Aliás, enquanto piscamos os olhos são gerados milhões de novos conteúdos, distribuídos em todo o mundo pelas redes sociais. Boa parte é material insignificante, imprestável, sem qualquer valor. Porém, em algum lugar haverá alguém ávido por novidade que compartilhará e distribuirá o lixo com tantos outros ansiosos por novidades.
O fenômeno da instantaneidade é isto. As informações trilham o mundo todo, sem fronteiras, sem amarras, sem compromisso. E isto tem um preço. Há quem diga que nos dias de hoje o que mais se faz é reproduzir. O internauta reproduz o que os outros reproduziram e assim vai. Os interesses que guiaram os produtores do conteúdo (zoação, agressão gratuita, inconsequência, ódios, preconceitos, falta do que fazer) ficam perdidos na aparente impessoalidade.
Ignorante seria o cronista se, por acaso, não reconhecesse que em tudo há no mínimo dois lados. E realmente há. Hoje seria praticamente impossível viver sem os aplicativos virtuais que facilitam a vida real. Ganhou-se dinamicidade. Porém, ganhou-se, de igual sorte, muita ansiedade. Quantas pessoas não desenvolveram o hábito de fotografar tudo o que lhes cabe neste latifúndio?
O carro, a casa, os cães, as flores do pátio, as frutas no mercado, o prato no restaurante, a porta do banheiro, o detalhe de uma pintura, o cabelo recém cortado, as unhas pintadas há pouco, a roupa ainda no provador, o cesto de roupas sujas, a máquina de lavar em ação, Maria estendendo a roupa no varal, a panela de feijão fervendo, a chaleira no fogo e a cuia recebendo o jato de água. E quantos destes ansiosos gastam seu tempo postando estes pequenos detalhes, às vezes poeticamente belos, muitas das vezes insignificantes, como se fossem realmente algo indispensável à nação?
Há uma tese nova que revela que este gasto de energia com o mundo virtual vai interferindo lentamente no rendimento do indivíduo. Esta imersão no mundo virtual vai, aos poucos, segundo alguns estudiosos, diminuindo a percepção e a interatividade do indivíduo no mundo real. Ou seja, a energia é a mesma. Cabe escolher onde deve ser aplicada. Muito foco para um lado, menos para outro. E os segundos correm, os minutos passam e as horas marcham. E o indivíduo preso, olhando para o minúsculo aparelho na palma de sua mão. O mundo está ali. Tudo está ali. O resto é lenda. E as lendas também não são reais.

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