17/05/2019

O Reino da Mixórdia


"...só queriam um pouco mais de justiça e hoje enxergam que assinaram um cheque em branco e que a conta será muito mais salgada do que a anunciada".

O Brasil já vivenciou alguns episódios de mal-estar e constrangimento no passado. Na história recente, a posse de José Sarney como presidente é um desses fatos. Para os mais jovens, é claro, faz-se necessária uma explicação. Tancredo, que vem a ser tio-avô de Aécio Neves, era um político mineiro que concorreu à presidência numa eleição indireta, onde só votavam os congressistas. Naqueles tempos, o povo era alijado de votar diretamente. Este direito de escolher o presidente cabia aos deputados e senadores que, em regra, referendavam o general de plantão escolhido pelo presidente general ou pelo partido do tal militar.Sei que este papo histórico é um tanto chato. Insistir nesta toada de explicar tudo direitinho parece ser daqueles erros imperdoáveis a um cronista. Continuando assim e metade dos leitores vai jogar o jornal para o lado ou seguirá adiante fazendo coisas bem mais interessantes. Então: corte na história e vamos em frente. O congresso elegeu Tancredo tendo como vice José Sarney, um aliado do regime militar, escritor casual e, talvez por carteiraço, membro da Academia Brasileira de Letras, com a significativa obra Marimbondos de Fogo. Pois, a ironia do destino venceu de 7 a 0, tal qual a Alemanha fez há algum tempo. Tancredo ganhou. Mas, não assumiu. Morreu antes. O fato gerou uma comoção nacional. Mílton Nascimento e seu Coração de Estudante embalaram os atos fúnebres. A impressão era de que toda a esperança do povo estava sendo enterrada junto. Sarney, que não venceria, acabou presidente.
Ali adiante, ainda nesta era de vergonha alheia, eis que surge Collor de Mello. Uma verdadeira paixão nacional. Caçador de marajás, jovem, destemido, midiático. As tias votaram nele sem pensar. Os tios mais velhos viram ali a salvação. Jovens viram um jovem na política. A mídia jogou-se com tudo. Do outro lado, um barbudo, carrancudo e temido Lula. Ainda tinha o Brizola que era um ameaça daquelas. Neste quadro, empresários avisaram que fechariam as fábricas, espalhavam-se boatos de que as garagens das casas seriam confiscadas para encher de gente pobre, as casas da praia também seriam usadas para dar teto a quem não tinha. Até os pobres ficaram com medo de tanta mudança.
Com votos de ricos e pobres, o bonitão ganhou. E confiscou a poupança de pobres, remediados e ricos. O dano maior, claro, foi para a parte debaixo da pirâmide. Eis que pouco tempo de governo o cansaço e o arrependimento foi tomando conta da mídia e das pessoas. O caçador foi cassado. E a presidência caiu no colo de um mineiro, Itamar Franco, o vice. O Fusca, que havia sido abandonado, voltou a ser fabricado.
Cresci ouvindo minha mãe falar em mixórnia quando o reino da bagunça e da esculhambação tomava conta. Hoje bem sei que o termo correto é mixórdia. É uma expressão de pouco uso, dessas que foge da boca dos menos avisados ou surge no meio de uma crônica escrita numa manhã chuvosa. Às vezes, quando leio algumas coisas na mídia, quando escuto determinadas coisas vindas do rádio, quando tento entender a intenção dos governantes, dos apoiadores e dos detratores chego à conclusão rápida e rasteira: vivemos no Reino da Mixórdia. E, o pior, não há salvador de plantão.
Não sei aonde vamos chegar, eis que futurólogo não sou. Mas, olha, o caminho não está bom para ninguém. É constrangedor o silêncio da maioria que votou na esperança. Leio notícias de que os pastores evangélicos, hoje senhores deputados e senadores, estão apavorados com o ímpeto governista em atingir os mais velhos e mais pobres a partir da reforma da previdência. Começam a desconfiar que o eleito não é bem o homem escolhido pelo Criador para mudar os destinos da pátria. Leio que militares estão desanimados com a guerra proporcionada pelos milicianos virtuais e seus gurus atávicos. Por outro lado, ouço entrevista onde deputado ataca a tudo e a todos como se para defender o país fosse necessário eliminar o contraditório.
Com tudo isso, meu instinto consegue notar o constrangimento e a vergonha de muitas pessoas por aqui que só queriam terminar com a corrupção, só queriam um pouco mais de justiça e hoje enxergam que assinaram um cheque em branco e que a conta será muito mais salgada do que a anunciada. E, o pior, o portador do cheque em vários momentos elege muitos destes seus eleitores com seus inimigos.
No Reino da Mixórdia desavisado bate palmas. Defende o indefensável com fake news gerando mais e mais desinformação. Claro que o quadro pode até piorar. Torço para que isso não ocorra. Afinal, nem o mais fanático merece uma bomba no seu colo.

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