22/12/2015

O Cavalo do Padeiro

Tenho por costume publicar sempre crônicas inéditas neste espaço. Dia desses, porém, acessei a página de estatística de meu blog. Uma crônica publicada há cinco anos havia sido lida por alguém. Confesso que nem lembrava muito bem do texto. Entrei no blog e o li. É certo que em cinco anos muita coisa muda. Na velocidade que tudo acontece nos dias de hoje, as coisas se transformam dia após dia. Mas, mesmo tendo lido tantas coisas, passado por tantas experiências, mudado conceitos, assino embaixo do que escrevi naquele tempo. O texto é o seguinte:
“Não faz muito tempo, em algumas cidades havia o costume da entrega do pão de cada dia ser feita por uma carroça. O dito veículo, tracionado por um cavalo, transitava pelas ruas e parava de armazém em armazém, de venda em venda, de bolicho em bolicho. Na frente do estabelecimento o entregador deixava uma cesta de vime contendo os pães que seriam vendidos pelo comerciante durante o dia. O trabalho era estafante.

16/12/2015

A Aquarela


É inevitável, até mesmo clichê, conceber este período do ano como mais um ciclo que se fecha. Estes dias de Natal e de Ano Novo bem se assemelham à escalada de uma montanha. Chegamos no topo. Nem todos, é verdade: há os que ficaram pelo caminho, vencidos pelo cansaço do corpo, pela preguiça, pela falta de vontade, pela imobilidade voluntária ou não. Porém, em regra, superamos o que havia pela frente. O vento frio, o tempo ruim, as dores no corpo. Porém, o tempo para a contemplação dura muito pouco. Os olhos já notam que, ao longe, novos caminhos vão se abrindo no horizonte. Novos rumos vão se apresentando. Nem sempre de maneira cristalina. Mas, lá estão.

11/12/2015

Quando o apelo comercial corrompe

A atividade comercial praticamente nasceu com o homem. Segundo se diz, ela pode ter sido mesmo um fator determinante para o progresso, tendo em vista que a necessidade de consumo esteve por trás dos movimentos migratórios e, posteriormente, na produção em série que desenvolveu a indústria gerando empregos e investimentos pesados em novas máquinas e tecnologias.

04/12/2015

Coisas da Vila

A vila era pequena. Uma única rua de cascalho atravessava toda a extensão. Outras pequenas ruelas iam cortando a rua principal. As casas eram germinadas. As paredes finas. Os moradores ficavam muito próximos uns dos outros. A proximidade era tanta que se ouviam os barulhos dos talheres na hora do almoço ou da janta da casa ao lado. Falar alto era regra por ali. Desta forma, mesmo as conversas mais íntimas se tornavam públicas.  Os arroubos noturnos dos amantes podiam ser acompanhados  pelos vizinhos sempre atentos às novidades locais.

25/11/2015

Programa de tevê

Minha mãe não era adepta de televisão. Além do minguado orçamento doméstico que não permitia nenhum tipo de luxo, a bem da verdade,  às vezes, não era suficiente  nem mesmo para aquisição de coisas essenciais, ainda havia sua convicção religiosa. Sua religião, como muitas outras naqueles tempos, entendia que aquela janela proporcionava uma rápida viagem ao inferno. Tudo o que se passava naquela tela brilhante tinha o poder de cooptar a alma do vivente e levá-lo até os confins dominados pelo capeta e seus capangas. Jamais gostei da imagem do inferno. Mas, sempre senti uma forte atração pela programação televisiva. Isso que a programação naqueles tempos era coisa de criança.  O gato Tom correndo atrás de Jerry para transformá-lo em almoço.  O Coiote com mil planos para explodir, prensar, esmagar o Papa-Léguas (Bip-Bip). Tarzan enfrentando jacarés de cinco metros com uma faca e muita ginga.

17/11/2015

O Céu e o Inferno

O Céu- Os deuses realizam uma assembleia. O local onde se encontram é amplo. Limpo. Calmo. De rara beleza. Reina tranquilidade. Suave música pode ser ouvida por todos. Os tronos são claros. Moldam-se aos corpos das divindades. O céu está repleto. Os deuses vão deliberar sobre questões importantes.

14/11/2015

O treino e o jogo

Quem vê o atleta de alto rendimento correndo com esforço, superando seu limite e, finalmente, vibrando intensamente com a medalha no peito, não escapa à tentação de desejar a mesma glória. O hino do país tocando, a bandeira no alto, o nome e a marca no painel eletrônico. Câmeras e mais câmeras varrendo o corpo suado e o sorriso estampado no rosto. A camiseta e o calção colados. A torcida em festa. Entre os presentes misto de admiração e inveja. Sentimento mais do que comum. E aceitável.
A marca vencida e a barreira superada se fazem passado muito rapidamente. Vencer outras marcas, superar outras barreiras tornam-se os objetivos seguintes.

03/11/2015

Papo de Bar

Ilustração: João Werner
Todos os dias, no final de tarde, com chuva ou com o sol ainda mostrando-se graciosamente antes de ser engolido pela noite, ele dá expediente no boteco. Toma um liso, acende um cigarro. Espera o momento oportuno para proferir sua conhecida palestra. Eis que chega a sua vez. Como é de costume não desperdiça a oportunidade que lhe cabe.
 Com ar professoral analisa a postura da defesa do tricolor. E vai além, lembrando a inoperância do ataque colorado. Mostra com os dedos ainda sujos de argamassa a melhor forma de postar os homens de meio campo. Os dedos cansados e machucados pelo serviço do dia se tornam homenzinhos hábeis. Parecem dispostos a sair correndo trás de uma bola, a trombar com o meia armador habilidoso do time adversário, a fechar os espaços nas costas dos laterais que avançam e não têm fôlego para voltar. Pena que o treinador de seu time não vê isso, pensa. Tudo poderia ser melhor se o professor tivesse alguma lucidez e não fosse tão burro como se mostra nos últimos jogos.