03/06/2019

Quero-quero, a mula sem cabeça e outros bichos


Aqui perto há um terreno baldio na esquina. Outro grande logo ali. Por aqui há também algumas áreas grandes com gramado e bem arborizadas. Ainda que esteja chovendo um pouco, os pássaros são insistentes. Pelo pouco que conheço, noto que há sabiás, pardais e quero-queros ocupando o mesmo território. Não são os pingos da chuva que os colocam a descansar. Na hora em que escrevo um verdadeiro alarido de sons vai tomando conta do ambiente. Parece que cada pássaro quer ser ouvido mais longe. Se estão dialogando falam línguas distintas. Como cantam com decisão estes pequenos.
Contam os mais entendidos sobre o costume dos pássaros que um deles, o quero-quero, coloca-se a cantar longe do ninho para afastar os invasores e garantir a segurança dos filhotes. Serzinho inteligente, faz um alarido com se o ninho estivesse por ali prestes a ser invadido. Dá rasantes, canta desesperadamente demonstrando sua ira e sua determinação. Às vezes, conta com a solidariedade de um ou outro que se junta no intuito de atacar com mais insistência e efetividade o ameaçador. É conhecida a sua ferocidade, especialmente pelo esporão que apresenta na ponta das asas. Acuado, torna-se um gigante, apesar de medir algo em torno de 37 centímetros e pesar insignificantes 280 gramas.
Por ser um defensor intransigente de seu território, o quero-quero foi adotado como símbolo do Rio Grande.

A eleição na floresta

O reino animal também fez sua eleição. Faz pouco tempo. Eleição igualzinha a essas que vez por outra vivenciamos por aqui. Dizem que a floresta virou um zum zum zum. O contato era direto e reto. Não havia horário eleitoral na tevê, pois nem tevê existia por lá. Pesquisas então nem pensar. As notícias verdadeiras se misturavam com notícias falsas, com boatos e coisas e tals. Um horror jamais visto por aqui. Os candidatos corriam de um lado a outro apresentando propostas absurdas e prometendo vantagens a estes e aqueles.
O processo seguiu por um bom tempo. Ninguém tinha certeza de nada. Nem debate havia. Assim, ficava difícil ouvir da boca ou do bico do candidato o que ele realmente desejava fazer. As corujas, conhecidas por guardar a sabedoria do local, ficavam preocupadas com a falta de profundidade do processo. Era tudo muito raso. Era tudo muito rápido. Suspeitavam que não daria muito certo tudo aquilo. Mas, quem deseja ouvir as corujas?
Resumindo a história: num cenário dividido, uma mula sem cabeça foi eleita causando espanto e surpresa a uma boa parte dos bichos. Logo ela, uma mula que traquejo nenhum tinha. Ser limitado e um tanto quanto ignorante, parecia o menos indicado para o momento. Mas, como o processo primou pela democracia o negócio era aceitar o resultado e torcer para que errasse o menos possível. Uma prece, uma oração, um pensamento positivo eram receitas que se ouvia também. Não resolveria a questão, mas, vai saber se as forças da natureza não influenciariam trazendo algum alento aos desalentados e algum talento à mula?
Assumiu a mula. Mas, como não tinha mesmo grande preparo em pouco tempo os bichos que a apoiavam começaram a se sentir inquietos. Tinha muita dificuldade em negociar. Era turrona. Achava que crescia na parada ameaçando este ou aquele. Comunicava-se mal. Muito mal. Dava um passo para a frente e outros dois para trás. Parecia despreparada para o cargo.
Porém, era tarde demais. O negócio era aguentar o tempo que desse. O Lobo, que tinha apoiado a mula no primeiro instante, foi um dos primeiros também a detoná-la. Estava indignado o bicho. Era visto por aí dizendo que faltava inteligência a ela e que o governo que começou já estava no fim.
A floresta estava inquieta. Havia balbúrdia por aqui e por ali. Porém, uma boa parte dos bichinhos permanecia em silêncio. Melhor nem falar. Melhor esquecer desta política. Melhor não assumir que eleger uma mula, ainda mais sem cabeça, era um despropósito.

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